10 Considerações Políticas sobre os Analectos de Confúcio

          Nos dias de hoje há um imenso esforço social em proclamar a democracia como a melhor forma de governo. Idealiza-se a democracia como se esta fosse o zênite da realização humana. Sua falta ou escassez é alardeada como crime capital.

          No outro extremo e em outros tempos, em Platão, o delegar do poder político ao povo era um disparate total, pois uma assembleia ignóbil criará leis e concederá mandatos para além da alçada de sua competência. O exemplo clássico: alguém que não é médico prescreve remédios para todos em praça pública.

          Também “o confucionismo é uma doutrina elitista, hierárquica e moralizante. Cabe às pessoas socialmente superiores educar as inferiores.” Por milênios, o ser Chinês confundiu-se com o confucionismo. Os Analectos, compilações de aforismos do Mestre Kong Fuzi (Confúcio), do Séc V a. C. foi e é a base da fundação ética da civilização chinesa.

          Passo a algumas considerações sobre os Analectos, que penso serem úteis hoje para um leitor comum:

I. O estudo visa à edificação moral e ao alargamento do escopo ético. Estuda-se para praticar a ação correta, não para construir teorias. Nada mais distante da filosofia e sofísticas gregas. O estudo não deveria ser voltado para qualquer ‘técnica’, além do aperfeiçoamento individual. Não há respostas completas, não há resquícios de uma ciência dura que instaura as verdades tácitas. “A sabedoria não é um conhecimento formal, mas experiência, vivência, posição social e reconhecimento.” Estudar é imitar os mestres do passado. Para o mestre Cheng, aluno de Confúcio, “estudar amplamente” é “manter a simplicidade de comportamento”.

II. A retórica frequentemente é enganosa; não adianta pensar e falar bem, porém agir mal. Também a bravura é apreciada negativamente: em 15.26 “O Mestre disse: “Belas palavras corrompem a virtude, inconformismos parvos corrompem os grandes planos”. (Imagina como ficaria a nossa época de revolucionários bravos, de retores de facebook.) As palavras são adereços desnecessários à realidade, fato intraduzível e incognoscível para a mente Ocidental. A palavra deve, apenas, corresponder à realidade das ações.

III. A “filialidade” no ambiente doméstico contamina a esfera pública virtuosamente, ou seja, a lealdade, confiabilidade, franqueza e respeito no lar, trarão, por conseguinte, essas mesmas qualidades para a administração pública. A virtude converte (a ignomínia).

IV. Cada discípulo tem o ensinamento que merece do mestre, ou que é capaz de assimilar. “Os resultados obtidos dos estudos diferem de pessoa a pessoa: […] Algumas plantas crescem até virar arbustos e outras crescem e transformam-se em árvores.” A relação entre mestre e aluno tem um valor central, quase absoluto.

V. Aquilo que não compete à estrita função e competência de um indivíduo, é melhor que este se mantenha calado. (Essa bem que poderia ser a regra de ouro do convívio social, principalmente na infame “era da virtualidade”, onde um átomo emparedado, com suas flutuações incessantes da mente, pretende reger a orquestra de um órgão, de uma nação.)

VI. Há uma profunda capacidade de tolerar-se, até mesmo aquilo que desagrada profundamente. Há uma luz no fim do túnel e o amor à nação a iluminar a futura e possível harmonia nas relações sociais.

VII. Se a situação histórico-política é marcada por descalabros, iniquidade e corrupção, em vez de mergulhar na desordem das coisas, juntar-se à maioria, o sábio deve retirar-se e “cultivar solitariamente a virtude”.

VIII. O escopo de temas dos Analectos é tão grande quanto a própria complexidade da vida humana: da arte do governo, humanidade, elogios e críticas, palavras de sabedoria, as felicidades e desesperos do Mestre e seus discípulos, o Mestre sendo confrontado pelos Taoistas e ermitões, até avaliações sobre a melhor música, a juventude e o envelhecer, etc.

IX. Na China há um fascínio pelos sábios que vivem na periferia da sociedade, que seriam dotados de intuição miraculosa. Para os eremitas era melhor viver uma vida pacata afastada da sociedade, não discernindo entre “bem” e “mal”. Independentes e autossuficientes, não tinham que se submeter ao jugo das distinções sociais. Havia, aqui, muita influência do Taoismo.

X. O grande governante é o que promove o consenso e a magnanimidade. Não busca a expansão do seu poder,  porém tenta erigir uma base sólida (de bons relacionamentos).

Uma citação: 15.20 “O Mestre disse: “O Homem Nobre é exigente consigo próprio, o Homem Pequeno é exigente com os outros.” Ou seja, aquele é “disciplinado, persistente, constante, apegado ao trabalho, com ênfase na prática e na vida presente, assumindo plenamente a responsabilidade por seu destino.” A Humanidade é a virtude do sábio por excelência.

*Todas as citações estão na tradução dos Analectos pelo diplomata brasileiro Giorgio Sinedino, que é, por sinal,  impecável na erudição e ao manter-se fiel à simplicidade do original Chinês.

*Se esse pequeno recorte servir para suscitar à curiosidade de alguém pela obra em si,  então terá cumprido seu humilde objetivo.

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