Seu Alfredo, um combatente camuflado nessa Floresta Amazônica

-“Fecha um olho. Prende a respiração. Foca. Atira!”

    Ser membro inexorável da Família Diviaggi implicava correr alguns riscos, fracassar em muitas áreas, nobreza medieval em pleno Século XXI, mas, mais importante de tudo, era necessário saber atirar. Os meus tios falavam disso como assunto de estado, como se o tiro fosse o carro de boi que move a técnica, a boa mira a única possibilidade de redenção da humanidade.

-“Cuidado com o coice da cartucheira, filho.”

          Havia uma etapa a ser cumprida conforme a idade da criança. Iniciávamos lançando pedras com as mãos, uma competição séria atiçada pelos velhacos como rinha de galo. Mas era no voo simples de um chumbinho que começava a formação no tiro. A espingarda, contavam-nos, era parte do corpo, uma extensão das mãos a esvoaçar cruzando nosso céu do Sul. Quantos pássaros foram alvos móveis de nossos chumbos? Aquelas crianças não queriam matar, elas só buscavam acertar os seus destinos, impor um sentido geral nesses projéteis lançados no espaço-tempo. As garruchas antecipavam os revólveres, todos sentinelas em guarda de um país imaginário.

-“Agora o revólver, o canhão, o tambor. Isso não se aponta para ninguém, moleque. Se apontar, tem que finalizar.”

          O gatilho a disparar a violência da raça, a pólvora a explodir a paz, a deflagar a cápsula da História. Havia uma aura bélica naquela cidadezinha interiorana dos tempos de menino de Seu Alfredo. A bala, sempre ela, ditava os Códigos Civis e as condutas. A infâmia era amortizada cedo. Os cães e gatos desenganados eram alvos que imploravam pelo zunido de coruja do chumbo antigo.

          Aos dezoito anos chegava a hora de responder ao chamado da nação, de treinar o corpo, a mira e a mente, todo dia pela manhã. – “Atenção Agrupamento, Sentido.” Quanto sentido aquela convivência absurda fazia. Éramos cem jovens a embalar uma marcha cinzenta, a comandar uma tropa Brasileira, uma Força Expedicionária sem rumos, sem guerras. Mas havia poesia naqueles fuzis 762 anteriores a Primeira Grande Guerra, havia uma cortina triste a cobrir a irracionalidade de tudo, uma fanfarra militar a soar naqueles corações juvenis.

          E Seu Alfredo, um Combatente Básico de Força Territorial Segunda Categoria, um brasileiro inveterado, um poço de água salobre no Aquífero Guarani, um escritor que via na letra o motor propulsor do tanque de guerra de si mesmo, a destruir as barricadas, a blindar-se contra a vileza do tempo.

Ali vai Seu Alfredo a engatilhar a 380,

marinheiro armado a sós na corveta,

um albatroz molenga acima das cabeças.

Um povo em coro entoa sua melodia,

uma nação por detrás das armadilhas.

E nossa guerrilha brasuca a erguer-se,

de lápis e caneta nas mãos, e coletes,

uma letra nova por segundo,

a desaguar no mar do mundo.

Saiam da frente, abram as portas das senzalas,

ouçam os morteiros e as minas terrestres aladas.

Não há mais lugar para criminosos,

pescoços são frágeis, são ossos,

De um ofício velho e vencido

Cairá um, cairão mil bandidos

Há uma miríade de flechas

Um sertão úmido que desperta

A rabiscar a abóbada celeste

A rasgar entranhas agrestes

Cometa que brilha a percorrer

o temível filho do amanhecer

Que dispara contra a injustiça

O Agente Laranja que danifica

Há um esquadrão especialista

em cada buraco intimista

Pronto para espalhar os nossos sins

Onde sempre quiseram ver os fins

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