O Matrimônio do Paraíso e Inferno, William Blake

Tradução baseada no The Norton Anthology of English Literature, Fourth Edition.

Notas no prelo.

          A mais acessível das obras longas de Blake, é um vigoroso, deliberadamente escandaloso, às vezes cômico, ataque contra os timidamente convencionais e arrogantes membros da sociedade, assim como contra muitas das opiniões no repertório da piedade e moralidade do Cristianismo Ortodoxo. A aparente simplicidade da atitude satírica de Blake, entretanto, é enganosa.

          Inicialmente, Blake aceita a terminologia da moralidade da classe média Cristã (“o que os religiosos chamam Bem & Mal”) mas inverte seus valores. Nesse uso convencional o Mal, que se manifesta pela classe de seres chamados Demônios e que confia um homem ao Inferno ortodoxo, é tudo o que se associa com o corpo e seus desejos e consiste essencialmente de energia, abundância, ato, liberdade. O Bem convencional, que se manifesta pelos Anjos e garante a seus seguidores um lugar no Céu ortodoxo, é associado com a Alma (considerada como totalmente separada do corpo) e consiste nas qualidades contrárias: da razão, contenção, passividade e proibição. Desinteressadamente adotando essa nomenclatura corrente, Blake escolhe assumir a persona diabólica – o que ele chama “a voz do Demônio” – e pronunciar “Provérbios do Inferno.” Essa postura produz uma disposição satírica que se encontra na grande tradição do século XVIII de inversão irônica sustentada, representada por obras como Modest Proposal de Jonathan Swift.

          Mas a transvaloração do critério normativo é apenas um primeiro estágio na ironia complexa de Blake, designada para alarmar o leitor ao reconhecer à inadequação das categorias morais padrões e o estoque de reações. Como ele também diz no sumário de abertura de seu argumento total, “Sem Contrários não há progressão,” e “Razão e Energia” são ambas “necessárias à existência Humana.” Resulta que Blake subordina sua inversão satírica dos valores convencionais sob um ponto de vista mais inclusivo, de acordo como o qual o Bem real, como distinto do meramente irônico Bem, não é simplesmente liberdade de coerção, mas “matrimônio” dos extremos contrários do desejo e da restrição, energia e razão, que relembra o Inferno e as limitações do Céu – ou como Blake chama esses contrários, nos termos compreensíveis que ele introduz na Plate 16, “o Prolífico” e “o Devorador.” Essas duas classes, adiciona, “devem ser inimigas,” e “quem tenta reconciliá-las busca destruir à existência.” Quando Blake fala não como um satirista moral mas como um moralista sério, a boa vida é aquela abundante e vigorosa vida que ele descreve como constante conflito, sem vitória ou supressão, dos opostos simultâneos.

          Blake foi estimulado a escrever essa obra única em resposta aos livros do visionário teólogo Sueco, Emanuel Swedenborg, que admirou num primeiro momento mas então o reconheceu como um Anjo convencional disfarçado como um Demônio radical. Na Plate 3, os escritos de Swedenborg são descritos como as roupas sinuosas que Blake descarta quando ressuscita da tumba do seu antigo ego, como um poeta-profeta que anuncia à promessa apocalíptica da sua era. Pois Blake escreveu O Matrimônio do Céu e Inferno no início de 1790, durante os anos brilhantes da Revolução Francesa, quando ele compartilhava as expectativas de vários Ingleses radicais, incluindo os jovens poetas Wordworth, Coleridge e Southey, que a Revolução era a violência universal que foi predita pelos profetas Bíblicos como um estágio imediatamente anterior ao milênio. O duplo papel do Matrimônio como sátira e profecia revolucionária torna-se explícita em Uma Canção de Liberdade, que Blake imprimiu em 1792 e adicionou como coda.

O Matrimônio do Paraíso e Inferno

Plate 2

O Argumento

Rintrah ruge e agita seus fogos no ar carregado;

Nuvens famintas oscilam nas profundezas.

Outrora manso, e num caminho perigoso,

O homem justo mantém seu curso até

O vale da morte.

Rosas são plantadas onde crescem os espinhos,

E no árido charco

Cantam as doces abelhas.

Então o caminho perigoso foi plantado,

E um rio, e uma nascente,

Em cada penhasco e tumba;

E nos ossos desgastados

Barro vermelho nasce;

Até o vilão deixar os caminhos do conforto,

Para andar nas trilhas perigosas, e conduzir

O homem justo aos climas secos.

Agora a serpente rastejante anda

Em branda humildade,

E o homem justo enfurece-se no selvagem

Onde os leões rugem.

Rintrah ruge e agita seus fogos no ar carregado;

Nuvens famintas oscilam nas profundezas.

Plate 3

Conforme um novo paraíso inicia-se, e agora faz trinta e três anos desde seu advento, o Inferno Eterno revive. E veja! Swedenborg é o Anjo sentado na tumba; seus escritos são as roupas de linho dobradas. Agora é o domínio de Edom, e o retorno de Adão ao Paraíso; veja Isaías xxxiv e XXXV Cap.

Sem contrários não há progressão. Atração e Repulsão, Razão e Energia, Amor e Ódio, são necessários à existência Humana.

Desses contrários nasce o que os religiosos chamam Bem e Mal. Bem é o passivo que obedece a Razão. Mal é o ativo brotando da Energia.

Bem é Paraíso. Mal é Inferno.

Plate 4

A voz do Demônio

Todas as Bíblias e os códigos sagrados foram as causas dos seguintes Erros:

1. Que o Homem tem dois princípios reais existentes; isto é: um Corpo e uma Alma.

2. Que Energia, chamada Mal, está apartada do Corpo, e que a Razão, chamada Bem, está apartada da Alma.

3. Que Deus irá atormentar o Homem na Eternidade por seguir suas Energias. Mas os seguintes contrários a esses são Verdadeiros:

1. O Homem não tem um Corpo distinto da sua Alma; pois o que se chama Corpo é uma porção da Alma discernido pelos cinco Sentidos, a principal enseada da Alma nessa era.

2. Energia é a única vida, e é do Corpo; e a Razão é o limite ou a circunferência externa da Energia.

3. Energia é Deleite Eterno

Plate 5

Aqueles que limitam o desejo, o fazem porque o deles é fraco o bastante para ser limitado; e o limitante ou razão usurpa seu lugar e governa a má vontade.

E sendo restrito, ele se torna gradualmente passivo, até tornar-se somente a sombra do desejo.

A história disso é escrita no Paraíso Perdido, e o Governador ou Razão é chamado Messias.

E o Arcanjo original, ou possuidor do comando do exército celestial, é chamado o Demônio ou Satã, e suas crianças são chamadas Pecado e Morte.

Mas no Livro de Jó, o Messias de Milton é chamado Satã.

Pois essa história foi adotada por ambos os partidos.

Realmente apareceu à Razão como se o Desejo fosse expulso; mas o relato do Demônio é, que o Messias decaiu, e formou um Paraíso do que ele roubou do Abismo.

Isso se mostra nos Salmos, onde ele reza ao Pai para enviá-lo o conforto ou Desejo que a Razão pode ter Ideias para construir; o Jeová da Bíblia não sendo outro que aquele que habita no fogo flamejante. Sabe-se que depois da morte de Cristo, ele tornou-se Jeová.

Mas em Milton, o Pai é Destino, o Filho, uma Proporção entre os cinco sentidos, e o Espírito-Santo, Vácuo!

Nota. A razão pela qual Milton escreveu com entraves sobre Anjos e Deus, e com liberdade sobre Demônios e Inferno, é porque ele foi um verdadeiro Poeta e do partido do Demônio sem sabê-lo.

Um Adorno Memorável

Conforme andei entre os fogos do inferno, encantado com os prazeres do Gênio, que para os Anjos parecem tormentas e insanidades, coletei alguns dos provérbios deles; pensando-os como os dizeres usados numa nação que simbolizam seu caráter, assim também os Provérbios do Inferno mostram a natureza da sabedoria Infernal melhor que qualquer descrição dos edifícios ou do vestuário.

Quando voltei para casa, no abismo dos cincos sentidos, com uma insossa, lateral e excessiva desaprovação para com o mundo presente, vi um poderoso Demônio entrelaçado nas nuvens negras, pairando ao lado da rocha; com fogos corrosivos ele escreveu a seguinte sentença agora percebida na mente dos homens, e lida por eles na terra:

Como você sabe se cada Pássaro que corta o caminho aéreo,

É um imenso mundo de deleite, fechado pelos seus cinco sentidos?

Provérbios do Inferno

Na semeadura aprenda, na colheita ensine, no inverno goze.

Dirija sua carroça e seu arado sobre os ossos dos mortos.

A estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria.

Prudência é uma dama rica feia e velha cortejada pela Incapacidade.

Aquele que deseja mas não age, procria pestilência.

O verme cortado perdoa o arado.

Mergulhe-o no rio quem ama água.

Um tolo não vê a mesma árvore que um sábio vê.

Ele a qual a face não dá luz, não deve tornar-se uma estrela.

Eternidade está apaixonada pelas produções do tempo.

A abelha ocupada não tem tempo para angústia.

As horas de loucura são medidas pelo relógio; mas de sabedoria, nenhum relógio pode medir.

Todos os alimentos saudáveis são pegos sem uma rede ou armadilha.

Desenvolva números, peso e medida num ano de carência.

Nenhum pássaro eleva-se muito alto, se ele eleva-se com suas próprias asas.

Um corpo morto não vinga os ferimentos.

O mais sublime ato é colocar outro ante você.

Se o tolo persistir em sua tolice ele tornar-se-á sábio.

Estupidez é o disfarce da trapaça.

Remorso é o disfarce do Orgulho.

Plate 8

Prisões são construídas com rochas da Lei, Bordéis com tijolos da Religião.

O orgulho do pavão é a glória de Deus.

A lascívia da cabra é a generosidade de Deus.

A cólera do leão é a sabedoria de Deus.

A nudez da mulher é o trabalho de Deus.

Excesso de angústia ri. Excesso de felicidade chora.

O rugir dos leões, o uivar dos lobos, a fúria do mar tempestuoso, e a destrutiva espada, são porções da eternidade muito grandes para os olhos do homem.

A raposa condena a armadilha, não a si mesma.

A felicidade impregna. Angústia engendra.

Deixe o homem vestir a queda do leão, a mulher a tosa da ovelha.

O pássaro o ninho, a aranha a rede, homem amizade.

O egoísta, tolo sorridente, e o taciturno, tolo carrancudo, devem ser ambos pensados como sábios, que eles podem ser descendentes.

O que é agora provado foi uma vez apenas imaginado.

A ratazana, o rato, a raposa, o coelho que assiste às raízes; o leão, o tigre, o cavalo, o elefante, que assiste às frutas.

A cisterna contém: a fonte extravasa.

Um pensa preencher a imensidão.

Esteja sempre pronto para falar sua mente, e um homem vulgar irá evitá-lo.

Tudo que é possível de ser acreditado é uma imagem da verdade.

A águia nunca perde tanto tempo como quando ela se submete à aprender do corvo.

Plate 9

A raposa provê para si mesma, mas Deus provê para o leão.

Pense na manhã, Aja ao meio dia, Coma ao anoitecer, Durma à noite.

Ele que suportou você se impor sobre ele te conhece.

Como o arado segue palavras, assim Deus recompensa as preces.

Os tigres da cólera são mais sábios que os cavalos da instrução.

Espere veneno da água parada.

Você nunca sabe o que é suficiente ao menos que você saiba o que é mais que suficiente.

Ouça à repreensão dos tolos! é um título majestoso!

Os olhos do fogo, as narinas do ar, a boca da água, a barba da terra.

O fraco em coragem é forte em astúcia.

A árvore da maçã nunca pergunta à faia como deve crescer, nem o leão ao cavalo, como ele deve tomar sua presa.

O receptor agradecido comporta uma colheita farta.

Se outros não têm sido tolos, nós devemos ser.

A alma do deleite doce nunca poder ser manchada.

Quando tu vês uma Águia, tu vês uma porção do Gênio; levante tua cabeça!

Conforme a lagarta escolhe as melhores folhas para depositar seus ovos, assim também o sacerdote deposita sua maldição nas melhores alegrias.

Para criar uma pequena flor é o labor das eras.

Maldição firma-se: Benção relaxa.

O melhor vinho é o mais velho, a melhor água a mais nova.

Orações não aram! Elogios não colhem!

Alegrias não riem! Angústias não choram!

Plate 10

A cabeça Sublime, o coração Pathos, as genitais Beleza, as mãos e pés Proporção.

Como o ar para um pássaro ou o mar para um peixe, assim é o desprezo para aquele que despreza.

O corvo desejou que tudo fosse preto, a coruja que tudo fosse branco.

Exuberância é Beleza.

Se o leão fosse aconselhado pela raposa, ele seria sagaz.

Progresso faz estradas apertadas, mas as estradas tortas sem o Progresso são estradas do Gênio.

Mais cedo assassina-se uma criança em seu berço do que os desejos sem ação da babá.

Onde não há homem, a natureza é árida.

Verdade nunca pode ser dita nem entendida, e não pode ser acreditada.

Suficiente! ou por Demais.

Plate 11

Os antigos Poetas animavam todos os objetos sensíveis com Deuses e Gênios, chamando-os pelos nomes e adornando-os com as propriedades da madeira, rio, montanhas, lagos, cidades, nações e qualquer coisa que seus sentidos alargados e numerosos podiam perceber.

E particularmente eles estudavam o gênio de cada cidade e país, colocando-os sob sua deidade mental.

Até que um sistema foi formado, o qual alguns adquiriram vantagem e escravizaram os vulgares ao tentar perceber ou abstrair as deidades mentais de um objeto; assim começou o Sacerdócio,

Escolhendo formas de adoração de contos poéticos.

Com o tempo eles pronunciaram que os Deuses ordenaram tais coisas.

Assim os homens esqueceram-se que Todas as deidades residem no seio humano.

Plate 12

Um Adorno Memorável

Os Profetas Isaías e Ezequiel jantaram comigo, e os perguntei como eles ousaram declarar vigorosamente que Deus falou com eles; e se eles não pensaram que poderiam ser incompreendidos, e assim serem a causa da imposição.

Isaías respondeu: “Não vi Deus, nem ouvi nada, numa percepção orgânica finita; mas meus sentidos descobriram o infinito em cada coisa, e conforme eu fui persuadido, e permaneci confiante, que a voz da indignação honesta é a voz de Deus, não me ative às consequências, mas escrevi.

Então perguntei: “Uma firme persuasão de que uma coisa é assim, a faz assim?”

Ele respondeu: “Todos os poetas acreditaram nisso, e em eras de imaginação essa firme persuasão removeu montanhas; mas muitos não são capazes de uma firme persuasão de qualquer coisa.”

Então Ezequiel falou: “A filosofia do oriente ensinou o primeiro princípio da percepção humana. Algumas nações mantiveram um princípio para a origem e algumas outro; nós de Israel ensinamos que o Gênio Poético (como você o chama agora) era o primeiro princípio e todos os outros meramente derivativos, que foi a causa de nosso desprezo pelos Sacerdotes e Filósofos de outros países, e profetizar que todos os Deuses [Plate 13] finalmente se provariam originários do nosso, e tributários do Gênio Poético; foi isso que nosso grande poeta, Rei Davi, desejou tão ferventemente e invocou tão pateticamente, dizendo com isso que ele conquistou inimigos e reinos governados; e nós assim amamos nosso Deus, amaldiçoamos em seu nome todas as deidades das nações ao redor, e asseguramos que eles se rebelassem; a partir dessas opiniões a massa veio a pensar que todas as nações seriam subjugadas pelos Judeus.”

“Isso,” disse ele, “como todas as persuasões firmes, passará, pois todas as nações acreditam no código dos Judeus e adoram o Deus dos Judeus, e qual sujeição poderia ser maior?”

Ouvi isso com certo espanto, e devo confessar minha própria convicção. Depois do jantar pedi a Isaías para contemplar o mundo com suas obras perdidas; ele disse que nenhuma de valor igual foi perdida. Ezequiel disse o mesmo das suas.

Também perguntei a Isaías o que o fez ficar nu e descalço por três anos? Ele respondeu, “o mesmo que fez nosso amigo Diógenes, o Grego.”

Eu então perguntei a Ezequiel por que ele comeu esterco, e permaneceu tanto em seu lado direito e esquerdo? Ele respondeu, “o desejo de elevar outros homens a uma percepção do infinito; as tribos Norte Americanas praticam isso, e é honesto quem resiste a seu gênio ou consciência somente com a finalidade do alívio presente ou gratificação?”

Plate 14

A antiga tradição que o mundo será consumido no fogo no final de seis mil anos é verdadeira, conforme ouvi no Inferno.

Pois o querubim com sua espada flamejante está por meio deste comandado a deixar sua guarda na árvore da vida; e quando ele o fizer, toda a criação será consumida, e aparecerá o infinito e o sagrado, onde aparece agora o finito e o corrupto.

Isso passará por um aperfeiçoamento do prazer sensual.

Mas primeiro a noção que o homem tem um corpo distinto de sua alma terá de ser expurgada; isso eu farei, ao imprimir no método infernal, por corrosões, que no Inferno são salutares e medicinais, fundindo superfícies aparentes, e mostrando o infinito que estava escondido.

Se as portas da percepção fossem limpas, tudo apareceria ao homem como é, infinito.

Pois o homem fechou-se, até ele ver todas as coisas através das estreitas fissuras da sua caverna.

Plate 15

Um Adorno Memorável

Eu estava numa casa de Impressão no Inferno e vi o método pelo qual o conhecimento é transmitido de geração a geração.

Na primeira câmara havia um Homem-Dragão, retirando o lixo da boca de uma caverna; dentro, vários Dragões escavavam a caverna.

Na segunda câmara havia uma Víbora enrolada ao redor da rocha e da caverna, e outros adornando-a com ouro, prata e pedras preciosas.

Na terceira câmara havia uma Águia com asas e penas de ar; ela causava o interior da caverna ser infinita; ao redor havia vários Homens-Águias, que construíam palácios nas imensas encostas.

Na quarta câmara havia Leões de fogo flamejantes, furiosos e derretendo os metais em fluídos vivos.

Na quinta câmara havia formas Inominadas, que fundiam os metais na imensidão.

Lá eles eram recebidos por Homens que ocupavam a sexta câmara, e tomavam as formas dos livros e eram arranjados em bibliotecas.

Plate 16

Os Gigantes que formaram esse mundo em sua existência sensual, e agora parecem viver nele acorrentados, são as verdadeiras causas da sua vida e as fontes de toda atividade; mas as correntes são a astúcia das mentes fracas e domesticadas que têm poder de resistir à energia; de acordo com o provérbio, o fraco em coragem é forte em astúcia.

Assim uma porção do ser é o Prolífico, a outra, a Devorante: ao Devorador parece como se o produtor estivesse em suas correntes; mas não é assim, ele somente toma porções da existência e imagina aquilo o todo.

Mas o Prolífico cessaria em ser Prolífico ao menos que o Devorador como um mar recebesse o excesso de seus deleites.

Alguns dirão, “Não é Deus sozinho o Prolífico?” Eu respondo. “Deus somente Age e É, nas coisas existentes ou Homens.”

Essas duas classes de homens sempre existiram na terra, e elas devem ser inimigas; qualquer um que tentar [Plate 17] reconciliá-las procura destruir à existência.

Religião é um empenho de reconciliar as duas.

Nota. Jesus Cristo não desejou unir, mas separá-las, como na Parábola das ovelhas e das cabras! e ele disse, “Eu vim não para enviar Paz mas uma Espada.”

Messias ou Satã ou Tentador eram antigamente pensados como sendo um dos Antediluvianos que eram nossas Energias.

Um Adorno Memorável

Um anjo veio a mim e falou: “Ó lamentável e tolo jovem homem! Ó horrível! Ó estado espantoso! considere a masmorra quente e ardente que tu preparas para ti mesmo para toda eternidade, pela qual tu irás nesse caminho.”

Eu disse: “Talvez você queria me mostrar meu destino eterno, e nós o contemplaremos juntos para ver qual destino é mais desejável: o meu ou o teu.”

Então ele me levou através de um estábulo e através de uma igreja e abaixo, no final da catacumba da igreja havia um moinho; fomos através do moinho e chegamos numa caverna; no fundo da caverna que ventava tateamos nosso caminho tedioso até um vazio ilimitado conforme um céu baixo apareceu sob nós, e nos mantivemos perto das raízes das árvores e suspensos nessa imensidão, mas eu falei: “Se lhe agrada, vamos nos comprometer com esse vazio, e ver se a Providência está aqui também, se não lhe agradar a mim vai.” Mas ele respondeu: “Não presuma, Ó jovem homem, mas conforme nós aqui permanecemos, contemple seu destino que em breve aparecerá quando a escuridão passar.”

Então permaneci com ele sentado nas raízes [Plate 18] retorcidas de um carvalho; ele foi suspenso por um cogumelo pendurado com a cabeça para baixo na profundeza.

Gradualmente contemplávamos o Abismo infinito, ardente como a fumaça de uma cidade em chamas; abaixo de nós, em uma distância imensa estava o sol, negro mas brilhante; ao redor dele caminhos flamejantes pelos quais orbitavam grandes aranhas, engatinhando por suas presas, que voavam, ou que nadavam na profundeza infinita, nas formas mais terríveis de animais brotando da corrupção; e o ar estava cheio delas, e parecia composto por elas; essas eram Demônios, e são chamadas Poderes do ar. Eu perguntei agora ao meu companheiro qual era o meu destino eterno? ele disse, “Entre as aranhas brancas e negras.”

Mas agora, entre as aranhas negras e brancas uma nuvem e uma rajada de fogo rolava através da profundeza, escurecendo tudo, tanto que o profundo abaixo tornou-se negro como um mar e rolou com um barulho terrível; debaixo de nós não havia nada agora a ser visto exceto uma tempestade negra, até que olhando para leste, entre as nuvens e as ondas, nós vimos uma catarata de sangue misturada com fogo, e não muitas pedras arremessadas por nós apareciam e afundavam novamente as escamas dobradas de uma monstruosa serpente. Finalmente ao leste, distante quase três graus, apareceu um pico flamejante acima das ondas. Vagarosamente ele criou como que um espinhaço de rochas douradas até que nós descobrimos dois globos de fogo carmesim, pelo qual o mar fugiu em nuvens de fumaça; e agora vimos que ele era a cabeça do Leviatã; sua testa era dividida em camadas de verde e roxo como aquelas na testa de um tigre: logo vimos sua boca e suas guelras vermelhas penduradas acima da espuma furiosa, colorindo a profundeza negra com raios de luz de sangue, avançando no sentido [Plate 19] de nós com toda a fúria de uma existência espiritual.

Meu amigo o Anjo subiu para sua estação no moinho; Eu permaneci sozinho, e então essa aparição desvaneceu, mas me encontrei sentado num banco prazeroso ao lado de um rio com a luz da lua, ouvindo um harpista que cantava à harpa, e seu tema era: “O homem que nunca altera sua opinião é como água parada, e procria répteis da mente.”

Mas me levantei, e busquei pelo moinho, e lá encontrei meu Anjo, que surpreso perguntou a mim como escapei?

Respondi: “Tudo que nós vimos era devido à nossa metafísica: pois quando você fugiu, eu me encontrei num banco à luz da lua ouvindo um harpista. Mas agora que nós vimos meu destino eterno, devo mostrar a você o seu? Ele sorriu à minha proposta; mas eu de repente o peguei pela força no braço, e voamos rumo oeste através da noite, até que nos elevamos sobre a sombra da terra; então eu me arremessei com ele diretamente sobre o corpo do sol; aqui eu me vesti de branco, e levando em minhas mãos os volumes de Swedenborg, afundados no clima glorioso, e passamos todos os planetas até chegarmos em Saturno; aqui descansei e então saltei no vazio entre Saturno e as estrelas fixas.

“Aqui,” eu disse, “é seu destino, nesse espaço, se espaço pode ser chamado.” Logo vimos o estábulo e a igreja, e eu o levei para o altar e abri a Bíblia, e veja! havia um buraco profundo, pelo qual eu desci, conduzindo o Anjo atrás de mim; logo vimos sete casa de tijolos; entramos em uma; nela havia [Plate 20] vários macacos, babuínos e todos daquela espécie, acorrentados pelo meio, gargalhando e empurrando um ao outro, mas detidos pela curteza de suas correntes; entretanto, vi que às vezes eles tornavam-se numerosos, e então o fraco era pego pelo forte e com um aspecto de gargalhada, primeiro copulava e então o devorava, ao retirar primeiramente um membro e então outro até que o corpo era deixado como um tronco impotente. Assim, depois de gargalhar e beijá-lo com aparente afeição, eles devoravam também; e aqui e ali eu vi um saboreando a carne da sua própria cauda; conforme o fedor incomodou a nós dois, fomos para o moinho, e eu trouxe em minhas mãos o esqueleto de um corpo, que no moinho era a Analítica de Aristóteles.

Então o Anjo falou: “Tua fantasia impôs-se sobre mim, e tu deves te envergonhar.”

Eu respondi: “Impusemos um ao outro, e é perda de tempo conversar com você quais obras são apenas Analíticas.”

Oposição é verdadeira Amizade.

Plate 21

Sempre achei que os Anjos tinham a vaidade de falar de si mesmos como os únicos sábios; eles assim o fazem com uma insolência segura desabrochada da razão sistemática.

Assim Swedenborg gaba-se que o que ele escreve é novo; apesar de serem apenas os Conteúdos ou Índices de livros já publicados.

Um homem carrega um macaco para um show, e porque ele era um pouco mais sábio que o macaco, eleva-se em vão, e engana a si mesmo como sendo muito mais sábio que sete homens. É assim com Swedenborg; ele mostra a insanidade de igrejas e expõe hipócritas, até ele imaginar que todos são religiosos, e ele mesmo o único na terra que já quebrou a rede.

Agora ouça um fato simples: Swedenborg não escreveu nenhuma nova verdade. Agora ouça outra: ele escreveu todas as antigas falsidades.

E agora ouça à razão: Ele conversava com Anjos que eram todos religiosos, e não conversava com Demônios, que odeiam a religião, pois ele era incapaz através de suas noções vaidosas.

Assim os escritos de Swedenborg são uma recapitulação de todas as opiniões superficiais, e uma análise do mais sublime, mas nada além.

Tenha agora outro fato simples: Qualquer homem com talentos mecânicos pode, dos escritos de Paracelso ou Jacob Behmen, produzir dez mil volumes de igual valor aos de Swedenborg, e das obras de Dante ou Shakespeare, um número infinito.

Mas quando ele assim o fez, não o permita dizer que ele sabe mais que seu mestre, pois ele somente segura um candelabro na luz solar.

Um Adorno Memorável

Uma vez eu vi um Demônio numa chama de fogo, que formou-se ante um Anjo que sentava numa nuvem, e o Demônio pronunciou essas palavras:

“A adoração a Deus é, Honrar seus dons em outros homens, cada um de acordo com seu Gênio, e amando mais os [Plate 23] maiores homens; aqueles que invejam ou caluniam grandes homens odeiam a Deus, pois não há outro Deus.”

O Anjo ouvindo isso tornou-se quase azul; mas domando a si mesmo, ele tornou-se amarelo e finalmente branco, rosa e, sorrindo, então replicou:

“Tu Idólatra, não é Deus Uno? e ele não é visível em Jesus Cristo? e Jesus Cristo não deu sua sanção à lei dos dez mandamentos, e não são todos os outros homens tolos, pecadores e nada?”

O Demônio respondeu; “Urra um tolo num pilão com trigo, apesar de que sua ignorância não deve ser vencida fora dele; se Jesus Cristo é o maior homem, você deve amá-lo no mais alto grau; agora ouça como ele deu a sanção à lei dos dez mandamentos: ele não desprezou o sabá, e então desprezou o Deus do sabá? assassinando aqueles que foram assassinados por causa dele? recusando à lei da mulher tomada em adultério? roubando o labor de outros para suportá-lo? tomando falsas testemunhas quando ele omitiu uma defesa ante Pilatos? cobiçando quando orava por seus discípulos, e quando ele os ofereceu balançar a poeira de seus pés contra aqueles que se recusavam a hospedá-los? Eu digo a você, nenhuma virtude pode existir sem quebrar esses dez mandamentos. Jesus foi todo virtude, e agiu no [Plate 24] impulso, não nas regras.”

Quando ele assim disse, observei o Anjo, que alongava os braços, abraçando a chama do fogo, e ele foi consumido e elevou-se como Elijah.

Nota. Esse Anjo, que agora tornou-se um Demônio, é meu amigo particular; nós frequentemente lemos a Bíblia juntos em seu sentido infernal ou diabólico, que o mundo deve ter se se comportar bem.

Tenho também a Bíblia do Inferno, que o mundo deve ter se quiser ou não.

Uma Lei para o Leão e o Boi é Opressão.

1790-93

Plate 25

Uma Canção de Liberdade

1. O Eterno Feminino gemendo! é ouvido por toda a Terra.

2. A costa de Albion é doente, silenciosa; o prado Americano desmaia!

3. Sombras da Profecia treme junto aos lagos e os rios e murmura ao longo do oceano: França, derrube tua masmorra!

4. Espanha Dourada, estoure as barreiras da antiga Roma!

5. Forje tuas chaves, Ó Roma, na profunda queda, mesmo na eterna queda,

6. E chore.

7. Nas mãos trêmulas dela ela tomou o recém-nascido terror, uivando.

8. Naquelas montanhas infinitas de luzes agora barradas pelo oceano Atlântico, o recém-nascido fogo se mantém ante o rei estrelado!

9. Marcado com faces cinzas níveas e semblantes estrondosos, as asas invejosas bateram sobre a profundeza.

10. A lança da mão queimava acima, desafivelado estava o escudo, à frente lançava-se a mão da inveja entre o ar flamejante, e [Plate 26] vomitou a recém-nascida maravilha através da noite estrelada.

11. O fogo, o fogo, está caindo!

12. Olhe para cima! olhe para cima! Ó cidadãos de Londres, alarguem suas feições! Ó Judeu, deixe de contar ouro! retorne aos teus óleos e vinhos. Ó Africano! negro Africano! (Vai, pensamento alado, ampliar a testa dele.)

13. Os membros ardentes, o cabelo flamejante, lançado como o sol poente no mar do oeste.

14. Acordado de seu sono eterno, o elemento grisalho rugindo foge:

15. Abaixo apressado, batendo suas asas em vão, o rei invejoso: seus conselheiros de faces cinzentas, guerreiros tempestuosos, enrolados veteranos, entre elmos, e escudos, e charretes, cavalos, elefantes; bandeiras, castelos, atiradeiras e rochas,

16. Caindo, apressando-se, arruinando! sepultando nas ruínas, no refúgio de Urthona;

17. Toda noite abaixo das ruínas; então, as chamas sombrias deles, desbotadas, emergindo ao redor do melancólico rei,

18. Com relâmpago e fogo, liderando seus hóspedes estrelados através do gasto deserto [Plate 27] ele promulgou seus dez mandamentos, inclinou suas radiantes pálpebras sobre o profundo em consternação negra,

19. Onde o filho do fogo em suas nuvens do leste, enquanto a manhã decora seu peito dourado,

20. Recusando as nuvens escritas com maldições, esculpiu a lei pétrea do pó, perdendo os cavalos eternos para os refúgios da noite, chorando:

Império não mais existe! e agora o leão e o lobo devem cessar.

Coro

Deixe os Sacerdotes do Corvo da aurora, não mais em fúnebre negro, com roucas notas amaldiçoar os filhos da alegria. Nem seu confrade aceito, a quem, tirano, ele chama livre, coloca o laço ou constrói o teto. Nem a pálida luxúria religiosa chama aquilo virgindade, que deseja mas não age!

Pois tudo que vive é Sagrado.

1792

Publicidade

Replique

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Site criado com WordPress.com.

Acima ↑