AS QUESTÕES DE MAHAMATI
*Notas no prelo
I[1]
Mahamati havia visitado anteriormente outras terras búdicas juntamente com outros sábios bodisatvas. Agora, através do poder do Buda, ele levantou-se de sua cadeira, descobriu seu ombro direito e tocou o seu joelho direito no chão. Unindo suas mãos e curvando-se em reverência ele louvou o Buda em verso:[2]
- “Como uma flor no céu / o mundo nem cessa nem surge / na luz da sua sabedoria e compaixão[3] / ele nem existe, nem não existe[4]
- Transcendendo a mente e a consciência / todas as coisas são como ilusões / na luz da sua sabedoria e compaixão / elas nem são, nem não são[5]
- O mundo é apenas um sonho / nem permanente nem transitório / na luz da sua sabedoria e compaixão / ele nem é, nem não é[6]
- Não há ego nos seres ou coisas / nenhuma barreira de paixão ou conhecimento / na luz da sua sabedoria e compaixão / eles nem são, nem não são
- O Buda não habita no nirvana / nem o nirvana habita nele / livre do conhecer e do conhecido / ele nem é, nem não é[7]
- Quem assim contempla o Shakyamuni / sereno e não surgindo[8] / habita sem apegos / nessa vida e na próxima.”
II[9]
Depois de terminar os seus versos em louvor ao Buda, Mahamati apresentou-se:
- “Meu nome é Mahamati / para sondar as profundezas do Mahayana / Venho perante o Inigualável / com 108 questões.”[10]
- Ao ouvir esse pedido / o Conhecedor de Todos os Mundos / olhou para a assembleia / e disse a esse filho dos budas
- “Faça suas questões / Filho dos Vitoriosos / pergunte e explicarei / o reino da realização pessoal.”[11]
Reconhecendo a aprovação do Bhagavan, o Mahamati Bodisatva tocou sua cabeça nos pés do Buda, colocou suas palmas juntas em reverência e perguntou em verso:
- “Como o pensamento é purificado / de onde ele vem / como devemos considerar a delusão / de onde ela vem?
- Por que existem terras e aparições / atributos e outros caminhos[12] / estágios de prática e liberdade das projeções[13] / e o que ‘filho de vitorioso’ significa?[14]
- Para onde a liberação leva / quem está preso e quem está livre / o que são os reinos da meditação / por que existem três caminhos?[15]
- Como a causação funciona / o que é uma causa ou um efeito / por que dizer que eles são diferentes[16] / e de onde eles vêm?
- Quais são as meditações sem formas / o que é a cessação da percepção / depois que todas as percepções cessam / como a consciência surge do transe?[17]
- Como surgem os efeitos / como controlamos nosso corpo / como vemos o que vemos / de onde vêm os estágios?[18]
- Quem rompe todos os três reinos[19] / em que lugar e corpo / então onde eles nascem / e por que existem bodisatvas?
- Como os poderes superiores são ganhos / maestrias e samádis / diga-nos, Vitorioso dos Vitoriosos / como é a mente em samádi?
- O que é a consciência repositório / a vontade e a consciência conceitual[20] / como elas surgem e cessam / o que faz a sensação parar?
- O que constitui uma linhagem / uma não linhagem ou nada exceto a mente[21] / como os atributos são adquiridos / o que significa ‘não-ego’?
- Como pode não existir seres / por que ensinar verdades convencionais / como colocamos um fim nas visões / da eternidade ou aniquilação?[22]
- Por que o Buda e os outros professores / não se parecem diferentes uns dos outros / por que nas eras futuras / existirão diferentes seitas?[23]
- Qual é a causa da vacuidade / o que significa ‘momentâneo’[24] / de onde vem um ventre / por que o mundo não balança?[25]
- Como o mundo é similar a um sonho ou ilusão / uma cidade de gandharvas[26] / uma miragem sazonal / uma lua d’água?
- Por que falar de ajudas à iluminação[27] / ou elementos da consciência[28] / o que causa caos em um reino / por que a crença na existência existe?
- Por que o mundo não surge ou cessa / como ele é similar a uma flor no céu[29] / como conhecemos o mundo / se você diz que ele transcende a linguagem?
- Como seria a liberdade da projeção[30] / como ela é similar ao céu / quantos tipos de talidades existem / consciências ou paramitas?[31]
- Como progredimos através dos estágios / quem liberta-se da projeção[32] / quais são os dois tipos de não-ego / como purificamos o conhecimento?[33]
- Quantos tipos de conhecimento existem / códigos morais ou seres / quem criou as coisas preciosas / coisas tais como joias e pérolas?
- Quem inventou os idiomas / os diferentes tipos de seres / quem foi que revelou / os campos do conhecimento e técnica?[34]
- Quantas formas de poesia existem / e em relação à prosa e o metro / quantos tipos de lógicas existem / o que constitui uma explanação?
- De onde vêm a comida e a bebida / o que faz surgir o desejo sexual / o que constitui um rei / um regente menor ou um cakravartin?[35]
- Como eles protegem seus reinos / quantos tipos de deidades existem / o que significa a terra / o sol, a lua e as estrelas?
- Quantos tipos de liberações existem[36] / quantos tipos de praticantes / quantos tipos de discípulos / o que constitui um mestre?
- Quantos tipos de budas existem / quantas vidas eles vivem[37] / quantos tipos de demônios existem / quantos ensinamentos heterodoxos?[38]
- Quantos modos de realidade existem[39] / quantos tipos de mentes[40] / por favor diga-me, Melhor dos Oradores / o que significa ‘mera designação’?[41]
- Por que existe vento e nuvens no céu / por que a memória e o discernimento existem / por que existem árvores e florestas / por que existem gramas e videiras?[42]
- Por que os elefantes, cavalos e corças / são aprisionados e capturados pelos homens / Ó, Cocheiro da Mente[43] / por que algumas pessoas são desprezadas?
- Por que observamos as seis estações[44] / por que existem icchantikas[45] / como surgem os homens e as mulheres / e os andróginos?[46]
- Por que alguns peritos regridem / por que alguns avançam / como os mestres de meditação ensinam / que tipos de pessoas eles treinam?[47]
- Quais são as marcas e atributos / dos seres que nascem nos reinos diferentes[48] / o que constitui a riqueza material / como ela é adquirida?[49]
- Como os Shakyas vêm a ser / a linhagem dos Ikshvakus / quem era o sábio asceta / o que foi que ele ensinou?[50]
- Como o Tatagata aparece / em todo tempo e lugar / cercado pelos filhos dos vitoriosos / de diferentes nomes e aparências?[51]
- Por que não devemos comer carne / por que a carne é proscrita / por que existem seres carnívoros / por que eles comem carne?[52]
- Por que as terras e reinos / são formados como o sol ou a lua / o Sumeru ou a flor de lótus[53] / uma swastika ou um leão?[54]
- Por que as terras e reinos / são formados como a rede de Indra[55] / virados de cabeça para baixo sobre nós / compostos de incontáveis joias?
- Por que as terras e reinos / são formados como um tambor ou alaúde / ou como algum tipo de flor / ou desprovidos de sol e lua?[56]
- O que é um buda de aparição / um buda de fruição / o que é um buda de talidade / um buda de conhecimento verdadeiro?[57]
- Por que no reino do desejo / a iluminação não é alcançada / por que ela é encontrada além do desejo / no mais alto paraíso da forma?[58]
- Depois do Sugata entrar no Nirvana[59] / quem sustentará o Darma / quanto tempo o Professor ensinará / quanto tempo o seu ensinamento durará?[60]
- Quantos tipos de realizações existem[61] / quantas visões doutrinais / qual é a causa e o propósito / de um código de ética ou monges?
- Por que os filhos dos vitoriosos[62] / pratyeka-budas e shravakas / experienciam centenas de transformações / centenas de reinos sem projeções?[63]
- Quais poderes são mundanos / quais são transcendentes / você poderia explicar / o que são os sete estágios?[64]
- Quantos tipos de sanga existem / o que provoca a dissensão / o que são os textos sobre medicina / o que levou à criação destes?[65]
- Por que o Mahamuni / fala palavras como essas / ‘Eu sou o Kashyapa Buda / Krakucchanda e Kanakamuni?’[66]
- Por que você fala de um ego e um não ego / de eternidade e aniquilação / por que não ensinar a verdade / ‘tudo é feito de mente?’[67]
- Por que existem árvores machos e fêmeas / bosques de karitaki e amali / o Monte Kailash e o Anel de Ferro / o Pico do Diamante e os outros picos?[68]
- E por que todas essas montanhas / são adornadas com incontáveis joias / rishis e gandharvas[69] / por favor diga-nos o porquê disso.”
- Depois de ouvir todos esses gathas / sobre os ensinamentos do Mahayana / sobre o coração de todo buda / o Conhecedor dos Mundos então respondeu:
- “Muito bem e habilmente perguntado / agora ouça, Mahamati / as questões que você levantou / responderei uma a uma:[70]
- Em relação ao nascimento e não nascimento / nirvana, vacuidade e momentos / renascimento e não auto-existência[71] / budas e paramitas
- Shravakas, pratyeka-budas e bodisatvas / as práticas sem forma das outras escolas / Sumeru, mares e montanhas / continentes e outras terras[72]
- O sol, a lua e as constelações / asuras[73] e deuses de outros caminhos / liberações, maestrias e poderes[74] / meditações e samádis
- Extinção e viagem psíquica / ajudas e elementos da iluminação / meditações e estados ilimitados / transmigração e os skandhas[75]
- Cessação da percepção na meditação / pensamento e fala durante o samádi / consciência conceitual, vontade e mente / os cinco darmas e o não ego[76]
- Modos de realidade, projetar e projeção / a dualidade do ver e do visto / caminhos espirituais e linhagens / joias de ouro e prata
- Elementos materiais e icchantikas / caos e um buda único / conhecimento, o conhecido e a instrução / a existência ou não dos seres[77]
- E quanto ao porquê de tais animais / como elefante e cavalos serem presos / como a razão e a ilustração funcionam / ou como elas produzem as provas[78]
- E quanto à causa e efeito / penetrando uma floresta de dúvida / nada exceto a mente, nenhum mundo visível / e nenhuma sequência de estágios[79]
- E quanto às transformações e o fim das projeções[80] / os tratamentos médicos e ofícios / ciências e artes / e porque você perguntou sobre esses[81]
- E quanto a como medir / terras, montanhas e o Sumeru / oceanos, sol e lua / e porque você perguntou sobre esses[82]
- E quanto ao número de partículas de pó / nos seres de diferentes tamanhos / as partículas de pó em um reino / ou quantas delas no comprimento de um arco[83]
- E quanto aos antebraços ou pés em um krosha / em uma yojana ou meia yojana / os pelos de um coelho em uma partícula de pó ou um ovo de piolho / os pelos de uma ovelha em um grão de cevada[84]
- E quanto aos grãos de cevadas em um litro / em meio litro ou em oito / em um alqueire ou dez ou cem mil / em um milhão ou um bilhão[85]
- E quanto aos grãos de pó em uma semente de mostarda / ou as sementes de mostarda em um grão de grama / ou grãos de grama em uma ervilha / ou quantas ervilhas em uma grama[86] [NT. Esta grama refere-se ao peso]
- E em relação a quantas gramas em uma onça / ou onças em uma libra / ou contando dessa forma / quantas dessas no Sumeru[87]
- E quanto ao que você perguntou acertadamente / e porque você deveria perguntar de outra forma / mas porque em vez disso não perguntou / o número de grãos de pó em um shravaka / o número em um pratyeka-buda / em um bodisatva ou tatagata[88]
- Os grãos de pó no topo de uma chama / ou em uma rajada de vento / o número em um órgão do sentido / um poro da pele ou um cílio
- Mas em relação aos homens de riqueza e poder / reis e cakravartins / e como eles protegem seus reinos / e como eles obtêm liberação
- E quanto à poesia e a prosa / ou porque os seres querem coisas diferentes / como alimentos e bebidas diferentes / ou porque existem árvores machos e fêmeas[89]
- E quanto à montanha tão dura quanto o diamante / a qual você perguntou / porque ela assemelha-se a um sonho ou ilusão / ou uma miragem sazonal[90]
- E quanto ao porque existem nuvens / ou porque existem seis estações / ou porque existem diferentes sabores / ou homens, mulheres e andróginos[91]
- E quanto ao uso de joias / e porque, Filho dos Budas, você perguntou sobre isso / ou porque os rishis e os gandharvas / adornam esses picos sagrados[92]
- E em relação à onde a liberação leva / ou quem está preso e quem está livre / ou os reinos da meditação / aparições e outros caminhos
- E se a causação existe / ou se a causação não existe / ou como as percepções desaparecem / ou como os pensamentos são purificados[93]
- E quanto a como transformar os seus pensamentos[94] / ou como transformar as suas ações / como colocar um fim às projeções / ou como elevar-se do samádi
- E quanto a quem atravessa os três reinos / e em que lugar ou corpo / ou se os seres têm um não ego / porque aceitar a visão convencional[95]
- E quanto a pergunta sobre as minhas marcas / ou se tenho um não ego / ou se os meus outros corpos / são produtos de um ventre[96]
- E quanto às visões da aniquilação ou eternidade / ou como estabilizar a mente / ou a linguagem e o conhecimento / linhagem, preceitos e bodisatvas
- E quanto à lógica e a explanação / mestres e discípulos / os diferentes tipos de seres / e porque você pergunta sobre esses / e o que eles comem e bebem / e demônios, discernimento e designação[97]
- E quanto às árvores e videiras / sobre as quais, Filho dos Vitoriosos, você pergunta / e porque existem terras diferentes / ou quem foi Dirghatapas[98]
- E quanto ao meu clã e família / ou quem foram meus professores / e porque algumas pessoas são desprezadas / ou porque algumas pessoas meditam / e porque não há iluminação / no reino do desejo[99]
- E porque ocorre / no Paraíso Akanishtha[100] / ou quais poderes são mundanos / ou o que constitui um monge
- E quanto aos budas de aparição / ou budas de fruição / ou budas da verdadeira talidade / ou budas de conhecimento imparcial / ou a natureza da sanga / sobre a qual, Filho dos Vitoriosos, você pergunta[101]
- E quanto às terras formadas como um tambor, um alaúde, ou uma flor / e porque algumas terras são desprovidas de luz / e como fica a mente / durante os sete estágios[102]
- Todas essas coisas e mais você pergunta / apropriado para um filho dos budas / de acordo com as formas relevantes / e livre das visões errôneas[103]
- Hoje revelarei / verdades que transcendem as palavras / enquanto listo-as uma por uma / ouçam bem, vocês bodisatvas / a essas 108 declarações:[104] / conforme falaram os budas do passado
III[105]
“Uma declaração sobre nascimento é sobre não nascimento. Uma declaração sobre permanência é sobre não permanência. Uma declaração sobre características é sobre não características. Uma declaração sobre duração e diferenciação é sobre não duração ou diferenciação. Uma declaração sobre momentos é sobre não momentos. Uma declaração sobre modos da realidade é sobre não modos da realidade.[106] Uma declaração sobre vacuidade é sobre não vacuidade. Uma declaração sobre aniquilação é sobre não aniquilação. Uma declaração sobre extremos é sobre não extremos.[107] Uma declaração sobre o meio é sobre não meio. Uma declaração sobre eternidade é sobre não eternidade. Uma declaração sobre condições é sobre não condições. Uma declaração sobre causa é sobre não causa. Uma declaração sobre paixão é sobre não paixão. Uma declaração sobre desejo é sobre não desejo. Uma declaração sobre conveniência é sobre não conveniência. Uma declaração sobre habilidade é sobre não habilidade.[108] Uma declaração sobre pureza é sobre não pureza. Uma declaração sobre raciocínio é sobre não raciocínio. Uma declaração sobre ilustração é sobre não ilustração. Uma declaração sobre discípulos é sobre não discípulos. Uma declaração sobre mestres é sobre não mestres. Uma declaração sobre linhagem é sobre não linhagem. Uma declaração sobre os três caminhos é sobre não três caminhos.[109] Uma declaração sobre liberdade das projeções é sobre não liberdade das projeções.[110] Uma declaração sobre votos é sobre não votos. Uma declaração sobre os três giros é sobre não três giros.[111] Uma declaração sobre aparências é sobre não aparências. Uma declaração sobre existência é sobre não existência.[112] Uma declaração sobre inclusão é sobre não inclusão.[113] Uma declaração sobre a realização pessoal do conhecimento búdico é uma declaração sobre a não realização pessoal do conhecimento búdico. Uma declaração sobre o deleite em qualquer coisa presente é sobre não deleite em qualquer coisa presente.[114] Uma declaração sobre terras é sobre não terras. Uma declaração sobre partículas de pó é sobre não partículas de pó. Uma declaração sobre água é sobre não água. Uma declaração sobre comprimentos de arcos é sobre não comprimentos de arcos. Uma declaração sobre elementos é sobre não elementos.[115] Uma declaração sobre enumeração é sobre não enumeração.[116] Uma declaração sobre o conhecimento superior é sobre não conhecimento superior. Uma declaração sobre o céu é sobre não céu. Uma declaração sobre nuvens é sobre não nuvens. Uma declaração sobre ofícios é sobre não ofícios.[117] Uma declaração sobre vento é sobre não vento. Uma declaração sobre terra é sobre não terra. Uma declaração sobre reflexão é sobre não reflexão. Uma declaração sobre designação é sobre não designação.[118] Uma declaração sobre auto-existência é sobre não auto-existência. Uma declaração sobre skandhas é sobre não skandhas. Uma declaração sobre seres é sobre não seres. Uma declaração sobre intelecto é sobre não intelecto. Uma declaração sobre nirvana é sobre não nirvana. Uma declaração sobre conhecimento é sobre não conhecimento. Uma declaração sobre outros caminhos é sobre não outros caminhos. Uma declaração sobre confusão é sobre não confusão. Uma declaração sobre ilusões é sobre não ilusões. Uma declaração sobre sonhos é sobre não sonhos. Uma declaração sobre miragens é sobre não miragens. Uma declaração sobre imagens é sobre não imagens. Uma declaração sobre rodas é sobre não rodas.[119] Uma declaração sobre gandharvas é sobre não gandharvas. Uma declaração sobre devas é sobre não devas. Uma declaração sobre alimento ou bebida é sobre não alimento ou bebida. Uma declaração sobre o desejo sexual é sobre não desejo sexual. Uma declaração sobre visões é sobre não visões. Uma declaração sobre paramitas é sobre não paramitas. Uma declaração sobre preceitos é sobre não preceitos. Uma declaração sobre sóis e luas e constelações é sobre não sóis ou luas ou constelações. Uma declaração sobre verdades é sobre não verdades. Uma declaração sobre efeitos é sobre não efeitos. Uma declaração sobre surgimento da cessação é sobre não surgimento da cessação.[120] Uma declaração sobre tratamento médico é sobre não tratamento médico. Uma declaração sobre atributos é sobre não atributos. Uma declaração sobre ajudas é sobre não ajudas.[121] Uma declaração sobre artes é sobre não artes. Uma declaração sobre meditação é sobre não meditação. Uma declaração sobre delusão é sobre não delusão. Uma declaração sobre objetos visíveis é sobre não objetos visíveis. Uma declaração sobre proteção é sobre não proteção. Uma declaração sobre genealogia é sobre não genealogia. Uma declaração sobre rishis é sobre não rishis. Uma declaração sobre reis é sobre não reis. Uma declaração sobre apreensão é sobre não apreensão. Uma declaração sobre joias é sobre não joias. Uma declaração sobre garantias é sobre não garantias.[122] Uma declaração sobre icchantikas é sobre não icchantikas. Uma declaração sobre homens, mulheres e andróginos é sobre não homens, mulheres e andróginos. Uma declaração sobre gosto é sobre não gosto. Uma declaração sobre esforço é sobre não esforço. Uma declaração sobre corpos é sobre não corpos. Uma declaração sobre o pensamento é sobre não pensamento. Uma declaração sobre movimento é sobre não movimento. Uma declaração sobre os órgãos sensoriais é sobre não órgãos sensoriais. Uma declaração sobre coisas condicionadas é sobre não coisas condicionadas. Uma declaração sobre coisas incondicionadas é uma declaração sobre não coisas incondicionadas.[123] Uma declaração sobre causação é sobre não causação. Uma declaração sobre o Paraíso Akanishtha é sobre não Paraíso Akanishtha. Uma declaração sobre as estações é sobre não estações. Uma declaração sobre árvores e videiras é sobre não árvores ou videiras. Uma declaração sobre variedade é sobre não variedade. Uma declaração sobre instrução é sobre não instrução. Uma declaração sobre os códigos morais é sobre não códigos morais. Uma declaração sobre monges é sobre não monges.[124] Uma declaração sobre suporte é sobre não suporte.[125] Uma declaração sobre palavras é sobre não palavras. Mahamati, essas 108 respostas[126] foram ditas pelos budas do passado. São essas que você e os outros bodisatvas devem estudar.”[127]
IV[128]
O Bodisatva Mahamati novamente perguntou ao Buda, “Bhagavan, de quantas maneiras as várias formas de consciência surgem, persistem e cessam?”
O Buda disse a Mahamati, “Existem duas maneiras as quais as várias formas de consciência surgem, persistem e cessam, ambas estão além do entendimento dos lógicos. As duas maneiras as quais as formas de consciência surgem são como continuidade ou como uma característica.[129] As duas maneiras as quais elas persistem são como uma continuidade ou como uma característica. E as duas maneiras as quais elas cessam são como uma continuidade ou como uma característica.[130] E as diferentes formas da consciência, Mahamati, têm três aspectos: um aspecto de desdobramento, um aspecto cármico e um aspecto intrínseco.[131]
“Mahamati, o que geralmente falamos como as oito formas da consciência podem ser sumarizadas sob três tópicos: consciência verdadeira, consciência perceptora e consciência projetora de objeto.[132] Mahamati, nossa consciência perceptora funciona como um espelho claro no qual as formas e imagens aparecem. Mahamati, embora a consciência perceptora e a consciência projetora de objeto sejam a causa da separação uma da outra ou não, a consciência perceptora, Mahamati, é o resultado da energia-hábito imperceptível e de transformações imperceptíveis, enquanto a consciência projetora de objeto é o resultado da apreensão de fenômenos diferentes e a energia-hábito das projeções sem início.[133]
“Mahamati, quando todas as falsas projeções obscurecendo nossa verdadeira consciência[134] cessam, todas as formas de consciência sensoriais cessam. Isso é o que se entende, Mahamati, por ‘cessação da continuidade,’ quando a causa da continuidade cessa, a própria continuidade cessa. Ela cessa quando aquilo que depende e que lhe dá sustentação cessa. Mahamati, por que isso ocorre? Porque ela é dependente. Ela depende da energia-hábito das projeções sem início. E o que a suporta são as projeções dos objetos da consciência percebidas pela própria mente de alguém.[135]
“Mahamati, tome o exemplo de um torrão de barro e as partículas de pó. Eles nem estão separados, nem não separados. O mesmo é verdadeiro sobre o ouro e os ornamentos. Mahamati, se o torrão de barro e as partículas de pó estivessem separados, aquele não poderia englobar estas. Mas ele engloba. Por isso, não estão separados. E, entretanto, se não estivessem separados, o torrão de barro não poderia ser distinguido das partículas de pó.
“Assim, Mahamati, se o aspecto intrínseco[136] da nossa consciência repositório e o aspecto de desdobramento da consciência fossem separados, a consciência repositório não poderia ser sua causa. Mas se elas não são separadas, a cessação do aspecto de desdobramento da consciência também significaria a cessação da consciência repositório. No entanto, o seu aspecto intrínseco não cessa. Logo, Mahamati, o que cessa não é o aspecto intrínseco da consciência, apenas seu aspecto cármico. Pois se o aspecto intrínseco da consciência cessasse, a consciência repositório cessaria. E se a consciência repositório cessasse, Mahamati, isso não seria diferente das visões niilistas propostas pelos seguidores dos outros caminhos.
“Mahamati, os seguidores dos outros caminhos alegam que quando a apreensão de um mundo externo cessa, a continuidade da consciência também cessa. Mas se a continuidade da consciência cessasse, aquela continuidade que não tem início terminaria. Mahamati, os seguidores de ainda outros caminhos dizem que o surgimento da continuidade não é causado pela conjunção da consciência visual com a forma e a luz,[137] mas é causada por alguma outra coisa. E essa causa, Mahamati, eles dizem que é uma força inefável, ser primevo, senhor supremo, partículas ínfimas ou o tempo.[138]
“Ademais, Mahamati, existem sete tipos de auto-existência:[140] a auto-existência da originação, a auto-existência da existência, a auto-existência das características, a auto-existência dos elementos materiais, a auto-existência das causas, a auto-existência das condições, e a auto-existência da conclusão.
VI[141]
“Ademais, Mahamati, existem sete tipos de verdades superiores:[142] aquelas relativas ao reino da mente, ao reino da sabedoria, ao reino do conhecimento, ao reino das visões, ao reino além das visões dualistas, ao reino além dos estágios do bodisatva, e ao reino da realização pessoal de um tatagata, o qual, Mahamati, é a mente da auto-existência, a verdade superior de todos os tatagatas, arhats, e os totalmente iluminados do passado, presente e futuro. É por meio dessa mente auto-existente da verdade superior que os ensinamentos mundanos, metafísicos e transcendentes dos tatagatas são formados, enquanto que é por meio do seu olho de sabedoria[143] que as suas características individuais e compartilhadas são estabelecidas. Entretanto, o que é desse modo estabelecido não é o mesmo que as doutrinas e visões errôneas das outras escolas.
“E quais são iguais, Mahamati, conforme as doutrinas e visões errôneas das outras escolas? Essas referem-se às projeções e visões do próprio reino de alguém que não realiza que elas são percepções da sua própria mente. Devido ao seu esquecimento, Mahamati, tais pessoas tolas mantêm visões dualistas e doutrinas da existência e não-existência como sua verdade superior auto-existente.
“Ademais, Mahamati, a cessação do sofrimento que advém da criação das projeções dos três reinos[144] e a cessação da ignorância, desejo e carma que resulta do ver que as percepções da própria mente de alguém são reinos de ilusão, isso é o que eu vou ensinar agora.[145]
VII[146]
“Mahamati, para explicar como algo que não existe passa a existir devido à presença da causação e como ele persiste no tempo em conexão com os skandhas, os dhatus e os ayatanas, alguns monges e sacerdotes dizem que uma vez que ele surge, ele cessa. Mahamati, quer se trate de uma continuidade, uma função, um nascimento, uma existência, o nirvana, um caminho, carma, realização ou verdade, eles argumentam que ele é destruído e cessa de existir. E por que isso é assim? Porque ele não pode ser encontrado no presente, nem o seu início pode ser discernido.
“Mahamati, assim como uma jarra quebrada não funciona mais como uma jarra ou uma semente queimada não funciona mais como uma semente, da mesma maneira, Mahamati, se os skandhas, dhatus e ayatanas existem e então cessam de existir no presente ou futuro, isso deve-se à projeção ou visão da própria mente de alguém, não a uma causa. É por isso que eles não continuam a surgir.[147]
“Mahamati, se alguém disser que a existência da consciência a partir da sua não-existência deve-se à conjunção tripla das condições, então cabelo poderia crescer de uma tartaruga ou óleo de cozinha poderia ser produzido da areia.[148] Tal tese desmorona porque é contrária à verdade estabilizada. E declarações sobre a existência e então a não-existência de algo contêm esse defeito: elas representam qualquer coisa que podemos fazer como vazia e insignificante.
“Mahamati, quando os seguidores dos outros caminhos alegam que algo surge por causa da conjunção tripla das condições, eles referem-se à operação de causa e efeito e se as suas características individuais existem e então não existem no passado, o presente, ou o futuro. Mas tais alegações são essencialmente o resultado da lógica, especulação ou visões baseadas na energia-hábito do passado de alguém. Assim, Mahamati, apesar de serem infectados por concepções equivocadas e enganados por crenças distorcidas, e apesar da sua falta de conhecimento, os tolos alegam ser sábios.
“Mas existem monges e sacerdotes, Mahamati, que veem as coisas como desprovidas de auto-existência, como nuvens no céu ou rodas de fogo ou cidades de gandharvas e sem surgimento, como ilusões, miragens, sonhos ou lua d’água, e – não importando se elas parecem estar dentro ou fora da mente – como projeções do passado sem início e como não existindo à parte da própria mente de alguém. E quando as causas de tais projeções cessam, e a consciência repositório torna-se livre das projeções de um corpo, as suas posses e o mundo em torno dela, e do que fala e do que é falado, e do que vê e do que é visto, eles veem adequadamente o que apreende e o que é apreendido como não interagindo mais no reino da consciência e qualquer coisa que a mente produz como existente em um reino livre de projeção, desprovido de originação, duração e cessação.
“Mahamati, tais bodisatvas logo realizam a identidade de samsara[149] e nirvana. Com compaixão sem esforço e meios hábeis, Mahamati, eles veem os reinos de todos os seres como ilusões e não sujeitos à causação. Transcendendo os reinos internos e externos, e não vendo nada fora da mente, eles adequadamente procedem de um estágio para o próximo nos samádis que são livres das aparências. E ao examinar os três reinos e descobrindo-os ilusórios, eles alcançam o Samádi do Ilusório.[150] E uma vez que as percepções de suas próprias mentes são livres de projeções, eles são capazes de habitar na perfeição da sabedoria e seguirem com suas vidas e suas práticas e entrar no Samádi do Diamante que acompanha o corpo de um tatagata e que acompanha a transformação da talidade. Dotados assim de poderes superiores e maestrias, assim como de compaixão e meios hábeis, eles entram nos santuários dos outros caminhos em todas as terras búdicas. E transcendendo a mente, a vontade e a consciência conceitual, esses bodisatvas gradualmente transformam seus corpos no corpo de um tatagata.[151]
“Por isso, Mahamati, aqueles que buscam o corpo que acompanha um tatagata devem evitar as projeções fabricadas da originação, duração, ou cessação em relação aos skandhas, dhatus, ayatanas, consciência, causação, ou formas de prática.”[152]
VIII[153]
“Quem vê que a energia-hábito das projeções do passado sem início é a causa dos três reinos e quem entende que o estágio do tatagata é livre de projeções ou qualquer coisa que surja, alcança a realização pessoal do conhecimento búdico e a maestria sem esforço sobre suas próprias mentes. E como joias capazes de refletir toda cor, eles entram nos pensamentos mais sutis dos outros seres e em seus corpos de aparição os ensinam ‘nada exceto a mente’ enquanto os estabilizam na sequência dos estágios. Portanto, Mahamati, você deve devotar-se ao cultivo da realização pessoal.”
IX[154]
Naquele momento, o Bodisatva Mahamati disse, “Que[155] o Bhagavan ensine-nos sobre as características da mente, da vontade e da consciência conceitual,[156] os cinco darmas, e os modos da realidade cultivados pelos budas e bodisatvas que diferem dos reinos externos percebidos pela mente. E que o Tatagata revele todos os ensinamentos marcados pela talidade que constituem o coração das palavras de todos os budas. E que ele explique para os grandes bodisatvas reunidos aqui no Monte Malaya no reino da ilha de Lanka o oceano e as ondas da consciência repositório e o reino do corpo do darma[157] exaltado por todos os tatagatas.”
O Bhagavan então disse a Mahamati, “Existem quatro causas que resultam no funcionamento da consciência visual. E quais são as quatro? São elas: uma falta de consciência de que o que é apreendido é uma percepção da própria mente de alguém, apego à energia-hábito de fabricações errôneas do passado sem início, a existência da consciência, e o desejo em ver uma multiplicidade de formas. Mahamati, essas são as quatro causas que produzem as ondas da consciência no mar sempre agitado da consciência repositório.[158]
“Mahamati, assim como a sua forma visual, a consciência surge junto com os mais ínfimos objetos sensoriais e o material sensorial dos vários órgãos do sentido, e com ela surgem os reinos externos assim como muitas imagens em um espelho limpo ou como o oceano quando um forte vento sopra. E conforme o vento da externalidade incita o mar da mente, as suas ondas da consciência nunca cessam.[159] Se há alguma diferença ou não entre as características das causas e efeitos é devido a um profundo apego ao que surge a partir do carma. Porque as pessoas não conseguem entender a natureza de coisas tais como a forma, os cinco tipos de consciências sensoriais funcionam. E devido à diferenciação das aparências, Mahamati, você deve saber que esses cinco tipos de consciências sensoriais servem como causa da consciência conceitual. Mas, conforme elas funcionam, as pessoas não pensam que elas são a causa das mudanças nas aparências, que mudam como resultado do apego às projeções que são percepções da própria mente de alguém. E como toda aparência muda e desaparece, os diferentes reinos que são distintos eles próprios mudam.[160]
“Aqueles praticantes que entram em dhyana ou samádi mas que permanecem inconscientes das mudanças das formas mais sutis da energia-hábito pensam que eles entram em dhyana ou samádi apenas depois que a consciência cessa. Mas, de fato, a consciência deles não cessa quando eles entram em samádi. Ela não cessa porque as sementes da energia-hábito não são destruídas. Ela cessa quando eles não apreendem mais as mudanças entre os reinos objetivos.
“Mahamati, exceto pelos tatagatas e aqueles muito avançados no caminho do bodisatva, a extensão completa da sutileza da consciência repositório permanece completamente além da compreensão dos shravakas, pratyeka-budas e praticantes dos outros caminhos, apesar dos poderes de meditação e sabedoria deles – da mesma forma como distinguir as características dos estágios remanescentes, ou o significado das palavras sobre sabedoria e meios hábeis, ou como trazer à maturidade as boas raízes ilimitadas plantadas pelos budas, ou como livrar-se das projeções e fabricações que são percepções de suas próprias mentes.
“Mahamati, aqueles que habitam entre as montanhas e florestas, indiferente se cultivam práticas inferiores, normais ou superiores, se são capazes de ver como as projeções fluem de suas próprias mentes, eles terão suas frontes ungidas pelos budas de incontáveis terras. E conforme eles alcançam as maestrias, faculdades psíquicas, poderes superiores e samádis, eles serão cercados pelos bodisatvas e amigos espirituais. E por causa disso, eles transcenderão o mar do nascimento e morte, carma, desejo, ignorância e as concepções errôneas em relação aos reinos da auto-existência da mente, da vontade e da consciência conceitual que são percepções de suas próprias mentes. É por isso, Mahamati, que os praticantes devem aproximar-se dos budas e dos amigos espirituais.”
O Bhagavan então repetiu o significado disso em verso:
- “Assim como ondas em um mar ilimitado / sopradas por um vento poderoso / quebram em uma vastidão negra / elas nunca cessam, nem por um momento
- No Oceano de Alaya / incitadas pelo vento da externalidade / onda após onda da consciência / quebra e cresce de novo
- Azul e vermelho e todas as cores / leite, açúcar e conchas[161] / fragrâncias, frutas e flores / o sol, a lua e a luz
- Como o oceano e suas ondas / não estão nem separados nem não separados / sete formas de consciência / surgem juntas com a mente[162]
- Como o mar que sempre muda / faz surgir diferentes ondas / a consciência repositório / faz surgir diferentes formas[163]
- Mente, vontade e consciência / essas referem-se às diferentes formas / mas formas desprovidas de diferenças / nenhum vidente ou coisa vista[164]
- Como o oceano e suas ondas / não podem ser divididos / a mente e as formas da consciência / não podem ser separadas
- A mente é o que coleta carma[165] / a vontade considera o que é coletado / as formas da consciência[166] são conscientes / dos cinco mundos aparentes.”
O Bodisatva Mahamati então perguntou em verso:
- “Quando as cores tais como o azul e o vermelho / aparecem na consciência de alguém / e todo pensamento é como uma onda / o que tudo isso significa?”
O Bhagavan então replicou em verso:
- “Azul e vermelho e as outras cores / não podem ser encontradas em nenhuma onda / dizemos que a mente coleta carma / para despertar os seres tolos
- Mas o carma não é real / logo, para deixar a mente deles liberar / o que apreende e o que é apreendido[167] / comparo-a com as ondas
- O corpo deles, as posses e o mundo / é isso o que eles têm consciência / é assim que o carma deles aparece / como ondas surgindo.”
O Bodisatva Mahamati então perguntou em verso:
- “O oceano e suas ondas existem / podemos vê-los dançar / por que então não estamos conscientes / da consciência alaya e do carma?”[168]
O Bhagavan então replicou em verso:
- “Para os tolos desprovidos de sabedoria / a alaya é comparada a um oceano / e o carma às suas ondas / através de um símile eles entendem.”
Mahamati então disse em verso:
- “A luz do sol brilha igualmente / nos seres de todas as classes / porque os tatagatas iluminam o mundo / para ensinar a verdade aos tolos
- Versados em todos os tipos de ensinamento / por que eles não ensinam a verdade?”
Ao que o Buda então replicou em verso, “Se eles ensinassem a verdade / nas mentes dos seres não seria a verdade[169]
- Como um oceano e suas ondas / um sonho ou imagem em um espelho / ambas aparecem juntas / assim como a mente e os reinos objetivos[170]
- Mas os reinos objetivos nunca são perfeitos / e o carma continua surgindo / enquanto a consciência está consciente / da mesma forma a vontade apenas deseja
- E são quíntuplas as aparências / exceto em meditação / como quando um artista mestre trabalha / e os estudantes do mestre[171]
- Desenhando formas e espalhando cores / eu, também, ensino dessa forma / as cores não contêm um padrão / nem o pincel ou a superfície intocada
- Para satisfazer a miríade de seres / eles representam figuras com sua arte / mas os ensinamentos são infiéis[172] / porque a verdade não está nas palavras
- Faço distinções para os novatos[173] / para os praticantes ensino a verdade / a verdade que eles próprios realizam / livre do conhecer e do conhecido
- Ensino isso aos bodisatvas / uma visão mais ampla aos tolos / todos os tipos de ilusões / mas nada que revelo é real
- Por isso meus ensinamentos são diversos / ajustados à situação / se um ensinamento não se encaixa / então ele não é ensinado
- Porque cada paciente difere / bons médicos ajustam suas curas / portanto os budas ensinam os seres / de acordo com suas capacidades
- Um reino sem projeções / desconhecido pelos shravakas / é isso o que o compassivo ensina / o reino da realização interior.”
“Ademais, Mahamati, se os bodisatvas desejam entender o reino da projeção no qual o que apreende e o que é apreendido não são nada além de projeções de suas próprias mentes, eles devem evitar as relações sociais, dormir e cultivar a disciplina da atenção plena durante os três períodos da noite. E eles devem evitar ensinamentos errôneos e textos, assim como as características dos caminhos dos shravakas e pratyeka-budas e tornar-se versados, em vez disso, nas características das projeções que são percepções de suas próprias mentes.
XI[175]
“Ademais, Mahamati, uma vez que os bodisatvas estabelecerem a si mesmos firmemente nos atributos da sabedoria, eles devem devotar-se ao cultivo dos três aspectos do mais alto conhecimento búdico. E quais três aspectos do conhecimento búdico eles devem devotar-se? São eles: a liberdade das projeções,[176] o poder dos votos feitos por todos os budas e a realização pessoal do conhecimento definitivo dos budas. Uma vez que o cultivo deles incluir esses, eles serão capazes de abandonar o conhecimento débil e alcançar o oitavo estágio do caminho do bodisatva.[177]
“No cultivo desses três, Mahamati, a liberdade das projeções vem das práticas dos shravakas, pratyeka-budas e dos seguidores dos outros caminhos; o poder dos votos, Mahamati, vem dos votos feitos pelos budas do passado; e a realização pessoal do conhecimento definitivo dos budas, Mahamati, vem do permanecer desapegado de todas as aparências, do obter o corpo que acompanha o Samádi do Ilusório,[178] e do entrar naquele lugar onde todos os budas habitam. Mahamati, esses são os três aspectos do conhecimento búdico. Aqueles que aperfeiçoam esses três aspectos do conhecimento búdico são capazes de alcançar o reino da realização pessoal do conhecimento definitivo dos budas. Mahamati, é por causa disso que você deve devotar-se ao cultivo dos três aspectos do conhecimento búdico.”
Porque Mahamati estava consciente dos pensamentos dos outros bodisatvas sobre como distinguir o ensinamento essencial do conhecimento búdico e porque ele estava amparado pelo poder manifesto dos tatagatas, ele perguntou ao Buda, “O Bhagavan poderia, por favor, explicar como entender o ensinamento essencial do conhecimento búdico com base no qual as 108 declaração devem ser distinguidas, e com base no qual os tatagatas, arhats e totalmente iluminados explicam como distinguir as características individuais e compartilhadas da realidade imaginada na qual os bodisatvas entram. Pois ao explicar como distinguir a realidade imaginada nós seremos capazes de entender a ausência de um ego entre os seres e os darmas onde quer que olhemos. E livrando-nos de tais projeções e iluminando os vários estágios, nós transcenderemos a bem-aventurança das meditações dos shravakas, pratyeka-budas e dos seguidores dos outros caminhos, e veremos os reinos inconcebíveis cultivados pelos tatagatas. E nós finalmente abandonaremos os cinco darmas e modos da realidade e nos adornaremos, por outro lado, com o conhecimento do corpo do darma do tatagata, deixando para trás os reinos ilusórios,[179] e ascenderemos aos paraísos Tushita e Akanishtha de todas as terras búdicas,[180] onde obteremos o corpo onipresente de um tatagata.”[181]
XII[182]
O Bhagavan disse a Mahamati, “Existem seguidores de outros caminhos apegados às projeções de vacuidade que imaginam a não-existência dos chifres de coelhos quando aquilo que os causa termina[183] e que, assim como a não-existência dos chifres de coelhos, o mesmo é verdade para tudo o mais. E existem seguidores de outros caminhos, Mahamati, que distinguem cada e todas as coisas em termos de elementos, tendências, partículas, substâncias ou formas e, tendo visto que não existem coisas como chifres de coelhos, tornam-se apegados à concepção que o chifre do boi existe.[184]
“Mahamati, porque eles têm o hábito de tais extremos dualísticos, eles não entendem o que é o nada exceto a mente e nutrem, em vez disso, a projeção dos reinos de suas próprias concepções. Mas tais coisas como o corpo deles, suas posses, e o mundo ao redor deles não são nada além de projeções da sensação. Mahamati, isso é verdade sobre a existência de todas as coisas. Elas transcendem a existência e a não-existência. Você não deve imaginar tais coisas.
Mahamati, uma vez que eles transcendem a existência e a não-existência, alguém que pensa que os chifres de um coelho não existem sofre de uma concepção errônea. Não se deve pensar que os chifres de um coelho não existem, porque tal visão seria relativa. E se alguém analisar qualquer coisa que exista em suas mais refinadas partículas, não se encontrará nada ali. Mahamati, porque isso estaria fora do reino do conhecimento búdico, você não deve imaginar que chifres de boi existem.”
Mahamati então perguntou ao Buda, “Bhagavan, se alguém imaginar algo como não existente, é por que não o vê surgindo que subsequentemente raciocina, uma vez que sua observação não resulta em sua discriminação, que esse algo não existe?”
O Buda replicou, “Não é isso, Mahamati. Não é porque sua observação não resulta na discriminação do objeto que ela diz que algo não existe. E por que não? É porque as discriminações surgem em dependência de algo. Elas surgem em dependência dos chifres. E porque a discriminação surge em dependência dos chifres, diz-se que é sua causa. Portanto, não é porque a observação não resulta em sua discriminação que alguém diz que os chifres não existem, em vez disso, é porque eles não são separados nem não separados.
“Mahamati, se a discriminação é separada dos chifres, a sua ocorrência não é dependente dos chifres. E se ela não é separada, ela é dependente deles. Mas não importa quão minuciosamente você os analisa e examina, você não pode encontrar nada ali. Ademais, porque a discriminação não é separada dos chifres, ela não existe por si mesma. Mas, se ela não existe por si mesma, com que base dizemos que ela não existe? Mahamati, se ela[185] não existe, então os chifres não existem. Mas você não deve pensar que os coelhos não têm chifres com base na observação. Mahamati, é porque não existe causa direta que os argumentos em favor da existência ou não-existência não podem ser provados.
“Mahamati, existem seguidores de outros caminhos que são atraídos por coisas tais como forma e espaço como tendo contorno e localização. Embora eles não sejam capazes de distinguir o espaço, eles dizem que o espaço existe à parte da forma, e eles assim produzem a projeção da separação desses. Mahamati, espaço é forma. Faz parte dos elementos materiais. E a forma é espaço, Mahamati. Mas para estabelecer a existência do qual suporta e qual é suportado, eles separam espaço e forma. Embora suas características individuais difiram, Mahamati, onde os quatro elementos materiais estejam presentes, eles nem ocupam espaço, nem existem sem espaço.
“Da mesma forma, Mahamati, os bois são observados com chifres e os coelhos sem chifres. Mas, Mahamati, se você moer os chifres dos bois em partículas as mais finas e não parar de analisar essas partículas nem um momento, você poderia dizer que eles não existem baseado no que você viu? Qualquer outra coisa que você examinasse daria no mesmo.”
O Bhagavan então disse ao Bodisatva Mahamati, “Você deve evitar as projeções que veem os chifres de coelhos ou bois, espaço ou forma como separados. Você e os outros bodisatvas devem refletir sobre as projeções como percepções de suas próprias mentes. E, em quaisquer terras que vocês se encontrem, ensinem os bodisatvas sobre as percepções de suas próprias mentes.”
XIII[186]
O Bhagavan então repetiu o significado disso em verso:
- “Não há forma dentro da mente[187] / a forma é nutrida pela mente / corpo, posses, o mundo e os seres / da consciência repositório tudo aparece
- A mente, vontade e consciência / os cinco darmas e modos da realidade / a purificação dos dois tipos de não-ego / esses são ensinados por aqueles que ensinam
- Longo e curto, é ou não é / a partir de um, o outro surge / porque um não é, o outro é / porque um é, o outro não é
- Analisando algo até o pó / não produz a ideia da sua forma / mas dizer que ele não é nada exceto mente / não agrada às pessoas deludidas
- Este não é um reino para filósofos / nem para os shravakas / o ensinamento daqueles que podem salvar o mundo / é o reino da autorrealização.”
XIV[188]
Para purificar[189] o fluxo das percepções da sua própria mente, o Bodisatva Mahamati mais uma vez perguntou ao Buda, “Bhagavan, como o fluxo das percepções das mentes dos seres é purificado? Gradual ou subitamente?”
O Buda disse a Mahamati, “Gradualmente e não subitamente. Como a groselha,[190] que amadurece gradualmente e não subitamente, dessa maneira os tatagatas purificam o fluxo das percepções das mentes dos seres gradualmente e não subitamente. Ou como um oleiro, que faz vasos gradualmente e não subitamente, da mesma maneira os tatagatas purificam o fluxo das percepções das mentes dos seres gradualmente e não subitamente. Ou como a terra, que faz nascer os seres vivos gradualmente e não subitamente, da mesma maneira os tatagatas purificam o fluxo das percepções das mentes dos seres gradualmente e não subitamente. Ou como quando as pessoas tornam-se proficientes em artes tais como música, escrita, ou pintura gradualmente e não subitamente, da mesma maneira os tatagatas purificam o fluxo das percepções das mentes dos seres gradualmente e não subitamente.[191]
“Ou como um espelho limpo reflete imagens sem formas[192] subitamente, os tatagatas da mesma maneira purificam o fluxo das percepções das mentes dos seres ao demonstrarem os reinos puros, sem formas, indiferenciados subitamente. Ou como o sol e a lua iluminam imagens subitamente, os tatagatas, da mesma maneira, revelam o reino supremo da sabedoria inconcebível subitamente para aqueles que libertaram-se da energia-hábito e das concepções errôneas que são percepções de suas próprias mentes. Ou como a consciência repositório distingue tais percepções diferentes da mente de alguém como reinos do corpo, suas posses, e o mundo em torno dele subitamente, os nishyanda budas[193] da mesma maneira trazem os seres à maturidade em qualquer reino que eles habitam subitamente e levam os praticantes a residirem no Paraíso Akanishtha.[194] Ou como os nishyandas budas criados pelo buda darmata irradiam luz, a realização pessoal do conhecimento búdico, da mesma maneira, ilumina e dissipa as visões errôneas e as projeções com relação a existência ou não-existência dos darmas e suas características.[195]
XV[196]
“Mahamati, o buda darmata-nishyanda[197] ensina que as características individuais e compartilhadas de todos os darmas devem-se à energia-hábito das percepções da mente e ao apego contínuo a uma realidade imaginada[198] que não é mais real que uma ilusão – e que não pode ser apreendida.
“Ademais, Mahamati, uma realidade imaginada surge do apego a uma realidade dependente. Mahamati, é como quando um mago usa materiais tais como plantas e madeira, ladrilho e rochas para criar uma ilusão e conjura a aparência de diferentes criaturas, que então produzem diferentes projeções, mas projeções que não são reais.[199] Da mesma maneira, Mahamati, é baseando-se na realidade dependente que a miríade de projeções de uma realidade imaginada surge – a miríade de projeções das aparências que são a energia-hábito do apego às projeções. Mahamati, é assim que as aparências de uma realidade imaginada surgem. Mahamati, é isso o que os budas nishyandas ensinam.
“Mahamati, o que o darmata buda faz é estabilizar e criar aquele reino que transcende as aparências autoexistentes da mente e que a realização pessoal do conhecimento búdico depende.[200]
“Mahamati, o buda nirmita-nirmana[201] ensina a caridade, moralidade, tolerância, zelo, meditação e sabedoria da mente, desapego dos skandhas, dhatus e ayatanas, liberação da projeção, contemplação e estabelecimento das aparências da consciência, e transcendência das visões dos seguidores dos outros caminhos e das visões da não forma.
Ademais, Mahamati, o buda darmata está livre do suporte objetivo.[202] A liberdade do suporte objetivo e da operação da sensação não é um reino conhecido pelas pessoas ignorantes, shravakas, pratyeka-budas, ou os seguidores dos outros caminhos apegados a um ego, mas é o reino único e último estabelecido pela realização pessoal do conhecimento búdico. Por isso, Mahamati, você deve devotar-se ao cultivo da realização pessoal desse reino único e último do conhecimento búdico e colocar um fim às visões que são percepções da mente.
XVI[203]
“Ademais, Mahamati, existem duas diferenças que caracterizam o caminho do shravaka: as diferenças na realização pessoal do conhecimento búdico deles e o seu apego à existência da uma realidade imaginada.
“E o que é diferente sobre a obtenção da realização pessoal do conhecimento búdico de um shravaka? Isso refere-se à realização da quietude da mente em relação aos reinos da impermanência, sofrimento, vacuidade e a ausência de um ego, em relação às verdades da cessação e transcendência do desejo,[204] e em relação ao fim de qualquer coisa indestrutível entre as características individuais ou compartilhadas dos skandhas, dhatus e ayatanas. E com a quietude da mente vem a liberação de dhyana, a fruta final do samádi, e a libertação de samapatti. Mas enquanto desfrutam a bem-aventurança da realização pessoal do conhecimento búdico, os shravakas ainda não estão livres da energia-hábito ou das mortes de transformações imperceptíveis.[205] É dessa maneira que a realização pessoal do conhecimento búdico de um shravaka difere.
“Mahamati, a bem-aventurança da realização pessoal do conhecimento búdico alcançada pelos bodisatvas difere em que eles evitam a bem-aventurança da aniquilação e a bem-aventurança de samapatti, que não experienciam por causa da sua compaixão pelos outros e seus votos originais. Mahamati, é assim que a bem-aventurança alcançada pelos shravakas da realização pessoal do conhecimento búdico difere. E essa diferença na bem-aventurança da realização pessoal do conhecimento búdico não é algo que os bodisatvas devem cultivar.
“Mahamati, o que se entende em relação ao apego dos shravakas à existência de uma realidade imaginada? Isso refere-se ao conhecimento que as características individuais e compartilhadas do azul, amarelo, vermelho e branco e a solidez, umidade, calor e movimento dos elementos materiais surgem sem um criador, como os sábios anteriores declararam, mas, ao vê-las, eles fazem surgir as projeções de suas auto-existências.[206] É isso o que se entende em relação ao apego dos shravakas à existência de uma realidade imaginada. Isso é algo que os bodisatvas devem entender e colocar um fim ao livrarem-se das visões que dizem respeito a um ego entre os darmas, juntamente com aquelas que dizem respeito a um ego entre as pessoas, conforme eles procedem para estabelecerem-se na sequência dos estágios.”[207]
XVII[208]
Naquele momento, o Bodisatva Mahamati perguntou ao Buda, “Bhagavan, o Tatagata ensina que o que é eterno e inconcebível[209] é o reino da verdade última, o reino do conhecimento búdico que alguém realiza a si mesmo. Bhagavan, as outras escolas não ensinam que o que é eterno e inconcebível é uma causa?”[210]
O Buda disse a Mahamati, “A causa das outras escolas não se qualifica como eterna e inconcebível. E por que não? Porque o que as outras escolas reivindicam como eterno e inconcebível não é o resultado de seu próprio atributo causal. Se o que é eterno e inconcebível não é o resultado de seu próprio atributo causal, sobre qual base ele aparece como eterno e inconcebível? Além disso, Mahamati, se o que é inconcebível fosse o resultado de seu próprio atributo causal, ele seria eterno. Mas porque seria devido ao atributo causal de um criador, ele não se qualificaria como eterno e inconcebível.
“Mahamati, a razão da minha verdade última ser eterna e inconcebível é porque a verdade última é o resultado de um atributo causal que transcende a existência e a não existência. Porque a obtenção da realização pessoal é o seu atributo, ela tem um atributo. E porque o conhecimento da verdade última é a sua causa, ela tem uma causa. E porque ela está além da existência e da não existência, ela assemelha-se ao não criado: espaço, nirvana, e cessação completa. É por isso que ela é eterna. Por isso, Mahamati, ela não é igual as doutrinas sobre o que é eterno e inconcebível das outras escolas. Assim, Mahamati, esse eterno e inconcebível é obtido pela realização pessoal do conhecimento dos tatagatas. Portanto, o eterno e inconcebível obtido pela realização pessoal do conhecimento búdico é o que você deve cultivar.
“Ademais, Mahamati, o eterno e inconcebível dos membros de outras escolas são impermanentes porque eles são causados por outra coisa e porque lhes falta o poder de criar o seu próprio atributo causal. Além disso, Mahamati, os membros das outras escolas consideram o seu eterno e inconcebível como eterno apesar de terem testemunhado a impermanência da existência e a não existência do que é criado.
“Mahamati, apesar de ter testemunhado a impermanência da existência e da não existência do que é criado, posso usar o mesmo método para reivindicar que o reino do conhecimento búdico realizado por si mesmo é eterno e livre de causas. Mahamati, se o eterno e inconcebível das outras escolas fossem o resultado de um atributo causal e este não existe por si mesmo, seria o mesmo que chifres em um coelho. O eterno e inconcebível deles seriam meramente palavras e imaginação. Esse é o problema entre os membros das outras escolas. Como assim? Porque o que é meramente palavras e imaginação é o mesmo que chifres em coelhos, para o qual não existe um atributo causal.
“Mahamati, o que digo ser eterno e inconcebível é eterno porque baseia-se no atributo da realização pessoal e porque transcende a existência e a não existência do que é criado. Não é considerando a impermanência da não existência externa que ele é eterno. Mahamati, se o que é eterno e inconcebível fosse eterno em consideração à impermanência da não existência externa, não seria possível conhecer o atributo causal eterno e inconcebível próprio. Como isso distrai as pessoas da obtenção da realização pessoal do reino do conhecimento búdico, não vale a pena falar disso.[211]
XVIII[212]
“Ademais, Mahamati, shravakas que temem o sofrimento que vem da projeção deles do samsara buscam o nirvana inconscientes que a diferença entre samsara e nirvana, assim como suas projeções ou tudo o mais, não existem.[213] Eles concebem o nirvana como a cessação de todos os reinos sensoriais futuros, não a transformação da consciência repositório através da realização pessoal do conhecimento búdico. Assim, as pessoas ignorantes falam de três caminhos[214] e não do reino livre de projeção que não é nada exceto a mente.[215] Mahamati, eles portanto não conhecem o reino da mente percebida pelos tatagatas do passado, presente e futuro. Em vez disso, eles estão apegados à percepção de um reino fora da mente e continuam girando a roda do samsara.
XIX[216]
“Ademais, Mahamati, nada surge. É isso o que os tatagatas do passado, presente e futuro ensinam. Como assim? Porque a existência e a não existência são percepções da própria mente de alguém, a existência e a não existência daquilo que não surge. Mahamati, nada que existe surge. Tudo é como chifres em um coelho ou cavalo, as projeções errôneas de uma realidade imaginada por seres ignorantes. Por isso, Mahamati, nada que existe surge. O não-surgimento que caracteriza tudo o que existe, essa é a realização do reino do conhecimento búdico, não o reino dualístico das projeções do ignorante.[217] A existência que caracteriza tais coisas como o seu corpo, suas posses e o mundo ao seu redor, Mahamati, é a interação da apreensão e do apreendido da consciência repositório.[218] Preso pelas visões dualísticas da originação, duração, cessação e seu desejo para que as coisas surjam, o ignorante faz surgir as projeções de existência e não existência, não o sábio. Mahamati, você deve refletir sobre isso na sua prática.
XX[219]
“Ademais, Mahamati, existem cinco linhagens de realização.[220] E quais são as cinco? São elas: a linhagem da realização do shravaka, a linhagem da realização do pratyeka-buda, a linhagem da realização do tatagata, a linhagem indeterminada e a linhagem distante.[221]
“Como reconhecemos a linhagem da realização do shravaka? Ao aprenderem como colocar um fim às características individuais e compartilhadas dos skandhas, dhatus e ayatanas eles ficam muito assustados e deleitam-se em cultivar um conhecimento das características, mas não em cultivar uma consciência da originação dependente.[222] É isso o que significa a linhagem da realização do shravaka. A realização de um shravaka pertence aos estágios quinto e sexto.[223] Eles colocam um fim ao surgimento da paixão, mas não à energia-hábito da paixão. E eles escapam das mortes cármicas, mas não escapam das mortes de transformações imperceptíveis.[224] Eles bramam o rugido do leão: ‘As minhas vidas terminaram. Trilhei o caminho da pureza. Não sofrerei outra existência.’ Assim, eles cultivam o conhecimento que não há um ego entre as pessoas e pensam que alcançaram o nirvana.
“Mahamati, aqueles cuja realização está distante[225] também buscam o nirvana, mas pensam-na nos termos de um ego, ou um ser, ou uma vida, ou uma individualidade.[226] E existem seguidores de ainda outros caminhos[227] que pensam que tudo depende de um criador e que quando a existência deles chegar a um fim aquilo seria o nirvana. Os que pensam assim são incapazes de ver que não há ego nos darmas, e para eles não há liberação. Mahamati, essas linhagens da realização shravaka e aquelas das outras escolas não transcendem o conceito de transcendência. Você deve praticar com diligência para transformar tais visões perniciosas.
“Mahamati, em relação à linhagem da realização dos pratyeka-budas, ao ouvirem sobre a realização das diferentes condições causais,[228] eles ficam muito assustados e choram lágrimas de angústia, e evitam as condições ou qualquer apego a elas. Mas quando ouvem sobre os diferentes corpos e poderes e as diferentes transformações envolvendo a combinação e a separação, as suas mentes ficam fascinadas. Qualquer um cujo entendimento pertença à linhagem da realização dos pratyeka-budas é ensinado de acordo com o caminho dos pratyeka-budas. É isso o que caracteriza a linhagem da realização dos pratyeka-budas.
“Mahamati, em relação à linhagem da realização do tatagata, existem quatro tipos:[229] a linhagem da realização relacionada com a realidade dos darmas,[230] a linhagem da realização relacionada com a não-realidade dos darmas,[231] a linhagem da realização relacionada com a obtenção da realização pessoal do conhecimento búdico, e a linhagem da realização relacionada com os esplendores das terras búdicas externas. Mahamati, quando alguém ouve essas quatro descritas uma após a outra, assim como o reino inconcebível[232] por meio do qual o seu corpo, posses, e o mundo ao seu redor são meramente percepções de sua própria mente, e essa pessoa não fica aterrorizada ou alarmada, isso é o que caracteriza a filiação à linhagem da realização do tatagata.
“Mahamati, a linhagem indeterminada inclui aqueles que são instruídos nessas três linhagens,[233] mas que entram de acordo com um ensinamento e têm êxito com outro. Mahamati, mesmo se eles estão no estágio da purificação inicial onde as linhagens são estabelecidas, se eles se estabelecem além do estágio da não projeção,[234] e eles purificam a energia-hábito de suas paixões através da realização pessoal da consciência repositório,[235] e eles veem que os darmas não têm ego, mesmo se eles são shravakas habitando na bem-aventurança do samádi, eles alcançarão o corpo glorioso de um tatagata.”[236]
XXI[237]
O Bhagavan então repetiu esse ensinamento em verso:
- “O objetivo de encontrar o fluxo / retornando uma vez mais ou não retornando / ou alcançando o estado sem nascimento[238] / todos são confusões da mente
- Às vezes ensino três caminhos / às vezes um e às vezes nenhum / para os tolos e aqueles de pouca sabedoria / e os sábios que habitam à parte[239]
- O ensinamento da verdade última / transcende todas as dualidades / para aqueles que habitam nos reinos sem projeções[240] / por que criar três caminhos?
- Dhyanas e estados ilimitados / samádis desprovidos de forma / cessação da percepção[241] / esses não existem onde existe apenas mente.”
XXII[242]
“Quanto aos icchantikas,[243] Mahamati, se não for os icchantikas, quem nesse mundo libertá-los-ia?[244] Existem dois tipos de icchantikas, Mahamati,[245] aqueles que abandonam as boas raízes[246] e aqueles cujos votos em relação aos outros são sem limites.
“Mahamati, o que se entende por abandonar as boas raízes? Isso refere-se à difamação do cânon[247] bodisatva e alegar falsamente que ele não está de acordo com os ensinamentos da liberação nos sutras ou no vinaya.[248] Porque abandonam as boas raízes, eles não entram no nirvana.
“Os próximos são os bodisatvas cujas práticas incluem o voto de não entrar no nirvana até que todos os seres entrem no nirvana. Entretanto, Mahamati, o que eles querem dizer com entrar no nirvana é caracterizado por não entrar no nirvana. Assim, eles, também, seguem o caminho icchantika.”
Mahamati perguntou, “Bhagavan, então quais desses nunca entram no nirvana?”
O Buda replicou, “Mahamati, os bodisatvas icchantikas. Eles sabem que tudo já está no nirvana. Assim, eles nunca entram no nirvana. Isso não é verdade em relação àqueles icchantikas que abandonam as boas raízes. Mahamati, ainda que abandonem suas boas raízes, através do poder dos tatagatas, em algum ponto as suas boas raízes reaparecem. Como assim? Porque os tatagatas não abandonam nenhum ser. É por isso que os bodisatvas icchantikas não entram no nirvana.
XXIII[249]
“Ademais, Mahamati, os bodisatvas devem estar bem familiarizados com os três modos da realidade.[250] E quais são os três modos da realidade? Realidade imaginada, dependente e perfeita.
“Mahamati, a realidade imaginada surge das aparências. E como a realidade imaginada surge das aparências?[251] Mahamati, conforme os objetos e as formas da realidade dependente aparecem, os apegos resultam em dois tipos de realidade imaginada. Essas são o que os tatagatas, os arhats, os totalmente realizados descrevem como ‘apego à aparência’ e ‘apego ao nome.’ Apego à aparência envolve apego às entidades externas e internas, enquanto o apego ao nome envolve apego às características individuais e compartilhadas dessas entidades externas e internas.[252] Essas são os dois tipos de realidade imaginada. O que serve como base e suporte objetivo[253] a partir de onde elas surgem é a realidade dependente.
“E o que é a realidade perfeita? Esse é o modo livre do nome, aparência ou projeção. É alcançado pelo conhecimento búdico e é o reino onde a realização pessoal do conhecimento búdico acontece. Essa é a realidade perfeita e o coração do tatagata-garbha.”[254]
O Buda então repetiu o significado disso em verso:
- “Nome, aparência e projeção / esses caracterizam dois modos da realidade / conhecimento correto e talidade / esses caracterizam o modo perfeito.”[255]
“Mahamati, isso é conhecido como o ensinamento de como ver o que caracteriza os cinco darmas e os modos da realidade.[256] Esse é o reino onde a realização pessoal do conhecimento búdico acontece e que você e os outros bodisatvas devem cultivar.”[257]
XXIV[258]
“Além disso, Mahamati, os bodisatvas devem ser hábeis ao examinarem os dois tipos de fenômenos que não têm ego. E quais são os dois tipos de fenômeno que não têm ego? Nem os seres nem os darmas têm um ego.
“E o que significa que os seres não têm ego? O agrupamento de skandhas, dhatus ou ayatanas surge da ignorância, carma e desejo e não inclui um ego nem qualquer coisa que pertença a um ego.[259] Conforme a apreensão e apego de sentidos tais como o olho à forma faz surgir a consciência, corpos, casas[260] e o mundo dos objetos que são percepções da própria mente de alguém são fabricadas e manifestadas a partir da própria projeção de alguém. Elas mudam e desaparecem a todo momento, como um rio, uma semente, uma vela, o vento ou uma nuvem. Inquietas como um macaco, atraídas pelas impurezas como uma mosca e insaciáveis como um fogo soprado pelo vento, elas movem-se como uma roda d´água, vida após vida, com uma forma corporal após outra forma corporal, impelidas pela energia-hábito sem início, como figuras produzidas por algum tipo de truque de mágica ou magia ou instrumento mecânico. Ser habilidoso no conhecimento de tais aparências significa saber que os seres não têm ego.
“E o que significa saber que os darmas não têm ego? Significa estar consciente que a auto-existência dos skandhas, dhatus e ayatanas é imaginária, que os skandhas, dhatus e ayatanas são desprovidos de um ego ou qualquer coisa que pertença a um ego, que os skandhas, dhatus e ayatanas são agrupamentos amarrados ao desejo e ao carma e que eles surgem da interação das condições, mas são passivos[261] eles próprios, e que todos os darmas são assim. Através do poder da imaginação os tolos produzem as projeções errôneas desprovidas de características individuais ou compartilhadas,[262] mas não os sábios, porque eles transcendem a mente, a vontade e a consciência, os cinco darmas e os modos da realidade.[263]
“Mahamati, os bodisatvas devem tornar-se hábeis em ver o não ego em qualquer coisa. Os bodisatvas que tornarem-se hábeis em ver o não ego logo ganharão um discernimento profundo na liberdade das projeções que caracteriza o estágio inicial do bodisatva,[264] e eles alegrar-se-ão ao examinar as características de tal consciência. Enquanto continuam seu avanço constante, eles vão além do nono estágio, para o estágio da nuvem do darma,[265] onde eles criam imensas flores de lótus decoradas com incontáveis joias que assemelham-se a tronos cravejados de joias onde eles sentam-se e praticam nesse reino da existência ilusória, e onde eles juntam-se aos bodisatvas de realização similar e seus séquitos. De todas as terras búdicas os tatagatas vêm e ungem suas frontes, assim como um cakravartin[266] unge a fronte do príncipe da coroa. Tendo superado o estágio do bodisatva eles alcançam a realização pessoal do reino do conhecimento búdico. E porque eles veem o não ego em qualquer darma, eles adquirem o incomparável corpo do darma de um tatagata. É isso o que o não ego nos darmas significa. Você e os outros bodisatvas devem cultivar isso.”
XXV[267]
Mahamati então perguntou ao Buda, “Bhagavan, por favor nos ensine sobre a asserção e a negação para que eu e os outros bodisatvas possamos evitar essas duas visões perniciosas e rapidamente atinjamos a iluminação completa, insuperável, e, uma vez iluminados, possamos evitar as afirmações eternalistas e as negações niilistas e não caluniemos o Darma verdadeiro.”
Ao ouvir o pedido do Bodisatva Mahamati, o Buda replicou em verso:
- Asserções e negações / não existem onde apenas a mente existe / assim como o corpo, o mundo e as posses / incapazes de ver que esses são a mente / e desprovidos de qualquer sabedoria / os tolos afirmam e negam.”[268]
O Buda então explicou o significado desse verso e disse a Mahamati, “Existem quatro tipos de asserções em relação ao que é não-existente. E quais são as quatro? Elas incluem asserções de uma característica não-existente, asserções de uma visão não-existente, asserções de uma causa não-existente, e asserções de uma existência não-existente. Esses são os quatro tipos de asserções. Quanto à negação, trata-se de negar o que é afirmado porque ele não pode ser apreendido ou observado. É isso o que se entende por asserção e negação.
“Mahamati, quanto à asserção de uma característica não-existente, isso refere-se a tornar-se apegado a uma característica individual ou compartilhada não-existente entre os skandhas, os dhatus ou as ayatanas como sendo assim e não de outra forma.[269] É isso o que se entende por asserção de uma característica não-existente. Tais asserções de uma característica não-existente são o resultado do apego à energia-hábito de diferentes projeções errôneas sem início.
“Mahamati, quanto à asserção de uma visão não-existente, isso refere-se a afirmar a visão de um ego, uma pessoa, um ser, uma vida, ou uma individualidade entre entidades tais como os skandhas, os dhatus ou as ayatanas. É isso o que se entende por asserção de uma visão não-existente.[270]
“Mahamati, quanto à asserção de uma causa não-existente, isso refere-se a uma consciência original que não surge das causas que a representariam como irreal ou ilusória e que não surge por si só subsequentemente, mas surge apenas depois de surgirem olhos, forma, luz e memória. E uma vez que ela existe, ela cessa. É isso o que se entende por asserção de uma causa não-existente.[271]
“Mahamati, quanto à asserção de uma existência não-existente, isso refere-se aos apegos às asserções da existência do que é incriado, tal como o espaço, a cessação ou o nirvana.[272] Esses nem existem, nem não existem. E qualquer darma que nem existe, nem não existe é como a percepção de um chifre de coelho ou o chifre de um cavalo ou moscas volantes.[273] Eles nem existem, nem não existem. É isso o que se entende por asserções de uma existência não-existente.[274]
“Asserções e negações são as projeções dos tolos inábeis em examinar o que não é nada além de projeções de suas próprias mentes. Isso não é verdade em relação ao sábio. Portanto, você deve praticar evitando as visões perniciosas de asserção e negação.
XXVI[275]
“Ademais, Mahamati, uma vez que os bodisatvas compreenderam totalmente as características da mente, da vontade e da consciência conceitual, os cinco darmas, os modos da realidade e os dois tipos de não-ego, com a finalidade de ajudar os outros, eles aparecem em uma variedade de formas, assim como a realidade imaginada é baseada na realidade dependente.[276] E como gemas mágicas que refletem todas as cores, eles aparecem em todas as assembleias e em todas as terras búdicas, onde ouvem os ensinamentos que transcendem os dos shravakas e dos pratyeka-budas, ensinamentos tais como ‘todos os darmas são como uma ilusão, um sonho, uma sombra, ou uma lua d’água,’ e ‘evite o surgimento ou a cessação, a permanência ou a impermanência de todos os darmas.’
“E eles entram em centenas de milhares de samádis, incontáveis centenas de milhares de samádis. E, conforme o fazem, eles viajam para outras terras búdicas e veneram outros budas e renascem em palácios celestiais, onde louvam os três tesouros[277] e aparecem como budas eles próprios cercados por assembleias de shravakas e bodisatvas, e onde eles liberam os seres ao explicar-lhes que o que eles percebem não é nada exceto suas próprias mentes e que a existência externa não existe, assim os capacitando a transcender visões tais como existência e não-existência.”
O Buda então repetiu o significado disso em verso,
- “O mundo como nada além da mente / isso é o que os bodisatvas veem / em diferentes tipos de corpos / sem o menor esforço / eles alcançam os poderes superiores / autodomínios e realizações.”[278]
XXVII[279]
Mahamati novamente perguntou ao Buda, “Que o Bhagavan por favor nos explique como todas as coisas são vacuosas, não-surgidas, não-duais e desprovidas de auto-existência para que uma vez que eu e os outros bodisatvas entendamos que elas são vacuosas, não-surgidas, não-duais e desprovidas de auto-existência, nós estaremos livres das projeções da existência e não-existência e realizaremos rapidamente a iluminação insuperável e completa.”[280]
O Buda disse a Mahamati, “Ouça atentamente e considere isso bem. Vou agora explicar isso para vocês.”
Mahamati respondeu, “Maravilhoso, Bhagavan. Que nós sejamos assim instruídos.”
O Buda iniciou, “Em relação à vacuidade, Mahamati, a vacuidade pertence a uma realidade imaginada. Mahamati, é para aqueles que estão apegados a uma realidade imaginada que eu falo de vacuidade, não-surgimento, não-dualidade e a ausência da auto-existência.[281]
“Mahamati, resumidamente, existem sete tipos de vacuidade:[282] a vacuidade das características, a vacuidade da autoexistência, a vacuidade dos fenômenos, a vacuidade dos não-fenômenos, a vacuidade da inefabilidade, a grande vacuidade da verdade última do conhecimento búdico, e a vacuidade da exclusão mútua.
“O que significa a vacuidade das características? A vacuidade das características refere-se à vacuidade das características individuais ou compartilhadas de qualquer coisa que exista. Porque as distinções observáveis de contraste e combinação[283] são não-existentes, nem as características individuais nem as compartilhadas surgem. E porque a existência de uma, da outra, ou de ambas não existem, as características não persistem. Por isso digo que as características de qualquer coisa que exista são vazias. Isso é o se entende por vacuidade das características.
“O que se entende por vacuidade da auto-existência? Isso refere-se ao não-surgimento da existência própria de algo. É isso o que se entende por vacuidade da auto-existência de algo. Por isso falo da vacuidade da auto-existência.
“O que se entende por vacuidade dos fenômenos?[284] Isso refere-se à falta de um ego ou qualquer coisa que pertença a um ego nos skandhas, que surgem devido à conjunção das causas e o funcionamento do carma. É isso o que se entende por vacuidade dos fenômenos.
“Mahamati, uma vez que os fenômenos são vazios, resulta disso que a realidade dependente é não-existente.[285] É isso o que se entende por vacuidade dos não-fenômenos.
“O que se entende por vacuidade da inefabilidade[286] das coisas? Isso significa que porque a realidade imaginada é desprovida de palavras, tudo é inefável. É isso o que se entende por vacuidade da inefabilidade das coisas.
“O que se entende por grande vacuidade da verdade última do conhecimento búdico?[287] Isso refere-se à vacuidade da energia-hábito de todas as visões errôneas ao alcançar a realização pessoal do conhecimento búdico. É isso o que se entende por grande vacuidade da verdade última do conhecimento búdico.
“O que se entende por vacuidade da exclusão mútua? Isso refere-se à vacuidade disso não se aplicar àquilo. É isso o que se entende por vacuidade da exclusão mútua.[288] Por exemplo, Mahamati, se não existem elefantes ou cavalos, bois ou ovelhas em Mrigaramatri Vihara, mas não não monges, e dizemos que ela é vazia, a própria vihara não é vazia, e os próprios monges não são vazios, e não é que os elefantes e os cavalos não estejam presentes em outro lugar. Isso refere-se às características individuais das coisas, por meio das quais um não está presente no outro. É isso o se entende por vacuidade da exclusão mútua. Entre esses sete tipos de vacuidade, a vacuidade da exclusão mútua é o tipo mais grosseiro de vacuidade[289] e deve ser evitada.
“Mahamati, as coisas não surgem per se. Isso não significa que elas não surjam – a não ser que alguém esteja no samádi.[290] É isso o que se entende por não-surgimento. A ausência da auto-existência é o que se entende por não-surgimento. O que não tem auto-existência é momentâneo, está em fluxo contínuo e manifesta diferentes estados de existência, mas sem possuir qualquer existência própria. Assim, qualquer coisa que exista é desprovida de auto-existência.
“O que quer dizer não-dual?[291] Isso refere-se a tudo ser nublado ou ensolarado, longo ou curto, claro ou escuro.[292] Mahamati, tudo é não-dual. O samsara não está presente no nirvana e o nirvana não está presente no samsara. Isso ocorre porque a existência deles devem-se às suas características diferentes.[293] É isso o que se entende por não-dual. E assim como para nirvana e samsara, isso é verdade para tudo o mais. Portanto, você deve cultivar o que é vazio, não-surgido, não-dual e sem auto-existência.”
O Bhagavan então repetiu isso em verso:
- “Sempre ensino a vacuidade / para transcender a eternidade e a aniquilação / o samsara é como uma ilusão ou sonho / mas o carma é persistente
- Espaço e nirvana / e dois tipos de cessação / os tolos criam projeções / o sábio evita o que é ou o que não é.”
O Bhagavan então disse a Mahamati, “O ensinamento da vacuidade, não-surgimento, não-dualidade e a ausência de auto-existência permeia todos os sutras falados pelos budas. Todo sutra ensina essas verdades. Mas porque cada sutra responde às necessidades dos seres, eles diferem em como expressar essas verdades, que não estão realmente nas palavras. Assim como uma visão de uma miragem confunde uma manada de cervos, na qual os cervos imaginam a aparição de água onde não há água, da mesma forma os ensinamentos dos sutras têm como objetivo alegrar o coração das pessoas. Mas o conhecimento búdico não é encontrado nas palavras. Por isso, confie no significado e não se apegue às palavras.”
XXVIII[294]
O Bodisatva Mahamati então perguntou ao Buda, “Nos sutras, o Bhagavan diz que o tatagata-garbha[295] é intrinsicamente puro, dotado de trinta e dois atributos[296] e está presente nos corpos de todos os seres, e que, como uma joia inestimável embrulhada em vestes sujas,[297] o sempre presente e imutável tatagata-garbha está igualmente embrulhado nas vestes sujas dos skandhas, dhatus e ayatanas e maculado com a mancha das projeções errôneas da ambição, raiva e delusão,[298] e que isso é o que todos os budas ensinam. Como é que aquilo que o Bhagavan diz sobre o tatagata-garbha seja o mesmo que os seguidores dos outros caminhos dizem sobre um ego? Bhagavan, os seguidores dos outros caminhos também falam de um criador imortal sem atributos, onipresente e indestrutível. E eles dizem que isso, Bhagavan, é o ego.”
O Buda replicou, “Mahamati, o tatagata-garbha que falo não é o mesmo que o ego mencionado pelos seguidores dos outros caminhos. Mahamati, quando falo sobre o tatagata-garbha, às vezes chamo-o ‘vacuidade,’ ‘não-forma,’ ou ‘não-intencionalidade,’ ou ‘reino da realidade,’ ‘natureza do darma,’ ou ‘corpo do darma,’ ou ‘nirvana,’ ‘aquilo que é desprovido de auto-existência,’ ou ‘aquilo que nem surgem, nem cessa,’ ou ‘quietude original,’ ou ‘nirvana intrínseco,’ ou expressões similares.[299]
“É para colocar um fim ao medo que os seres tolos têm da expressão ‘não ego’ que os tatagatas, os arhats, os totalmente iluminados proclamam o ensinamento do tatagata-garbha como o reino sem projeção desprovido de fabricações. Mahamati, os bodisatvas do presente e do futuro não devem se tornar apegados a qualquer visão de um ego.
“Tome por exemplo um oleiro que aplica coisas tais como trabalho manual, água, um graveto, uma roda e uma corda em um torrão de barro para fazer diferentes tipos de vasos. O Tatagata também é assim, aplicando sabedoria e uma variedade de meios hábeis ao que não tem ego e está livre da projeção. Às vezes falo sobre o tatagata-garbha e, às vezes, não ego. Assim, o tatagata-garbha que falo não é o mesmo que o ego falado pelos seguidores dos outros caminhos. É isso o que significa o ensinamento do tatagata-garbha. O tatagata-garbha é ensinado para atrair aqueles membros dos outros caminhos que estão apegados a um ego para que eles abandonem suas projeções de um ego irreal e entrem no portal triplo da liberação[300] e aspirem atingir a iluminação insuperável e completa imediatamente. É por isso que os tatagatas, os arhats e os totalmente iluminados falam dessa forma sobre o tatagata-garbha. Falar de outra forma seria concordar com os seguidores dos outros caminhos. Portanto, Mahamati, a fim de evitar as visões dos seguidores dos outros caminhos, você deve confiar no tatagata-garbha sem ego.”[301]
XXIX[302]
O Buda então repetiu o significado disso em verso:
- “Uma pessoa continuamente nos skandhas / condições e partículas de poeira / a criação de um poderoso senhor / projeções de nada exceto a mente.”[303]
XXX[304]
Pensando nos seres das eras futuras, Mahamati perguntou ao Buda, “Bhagavan, por favor nos fale sobre as práticas da realização[305] por meio das quais os bodisatvas tornam-se grandes praticantes.”
O Buda disse a Mahamati, “Existem quatro práticas de maestria que capacitam os bodisatvas a tornarem-se grandes praticantes. E quais são as quatro? Tornando-se hábil em distinguir as percepções da própria mente, percebendo a não-existência da existência externa, evitando as visões de surgimento, duração e cessação e deleitando-se[306] na realização pessoal do conhecimento búdico. Essas são as quatro práticas da maestria que capacitam os bodisatvas a tornarem-se grandes praticantes.[307]
“E como os bodisatvas tornam-se hábeis em distinguir as percepções de suas próprias mentes? Eles consideram os três reinos dessa maneira: como meras distinções da mente, desprovidos de um ego ou do que pertence a um ego, como imóveis e livres de vinda ou ida, o resultado da energia-hábito de fabricações errôneas sem início, e as várias formas dos fenômenos dos três reinos envolvendo os seus corpos, suas posses e o mundo em seu entorno como percepções dessas fabricações. É assim que os bodisatvas tornam-se hábeis em distinguir as percepções de suas próprias mentes.
“E como os bodisatvas tornam-se hábeis em perceber a não-existência da existência externa? Uma vez que tudo é um sonho ou miragem, eles consideram a auto-existência de tudo o que existe como o resultado da energia-hábito das projeções errôneas sem início. É assim que os bodisatvas tornam-se hábeis em perceber a não-existência da existência externa.[308]
“E como os bodisatvas tornam-se hábeis em evitar as visões de surgimento, duração e cessação? Uma vez que qualquer coisa que exista é como uma ilusão ou um sonho e a sua existência não surja de si mesma, de outra, ou de uma combinação de ambas, mas como uma distinção da própria mente de alguém, eles portanto veem a existência externa como não-existente, a consciência como não surgindo, e as condições como não combinadas, mas surgindo devido às projeções. Quando eles veem que todos os darmas internos e externos nos três reinos não podem ser apreendidos e são desprovidos de auto-existência, as suas visões do surgimento cessam. E uma vez que eles sabem que a auto-existência de tudo é ilusória, eles alcançam o autocontrole do não-surgimento. E uma vez que eles alcançam o autocontrole do não-surgimento, eles evitam as visões de surgimento, duração e cessação. É assim que os bodisatvas tornam-se hábeis em distinguir e evitar as visões de surgimento, duração e cessação.[309]
“E como os bodisatvas tornam-se hábeis no deleite da realização pessoal do conhecimento búdico? Ao atingir o autocontrole do não-surgimento, eles habitam no oitavo estágio do caminho do bodisatva, onde eles são capazes de transcender as características da mente, vontade e consciência, os cinco darmas, os modos da realidade, e os dois tipos de não-ego, e onde eles adquirem um corpo de projeção.”[310]
Mahamati perguntou ao Buda,[311] “Bhagavan, por que ele é chamado de corpo de projeção?”
O Buda replicou, “Mahamati, a razão pela qual ele é chamado de corpo de projeção é porque ele viaja rapidamente e sem obstrução, como um pensamento. Os pensamentos viajam para outros lugares a incontáveis léguas sem serem obstruídos por muros de pedras por causa da memória de algo experienciado no passado. E eles surgem sem interromper o funcionamento da mente ou interferir no corpo de alguém. Mahamati, tais corpos de projeção são adquiridos ao mesmo tempo. Dotados dos poderes superiores e das maestrias espirituais obtidas no Samádi do Ilusório, os diferentes corpos de projeção dos bodisatvas aparecem simultaneamente, como projeções desobstruídas, em quaisquer reinos que eles se recordam de terem feitos votos para trazer à perfeição aqueles seres que deleitam-se na realização pessoal do conhecimento búdico.
“Assim os bodisatvas alcançam o autocontrole do não-surgimento e habitam no oitavo estágio do caminho do bodisatva, onde eles substituem o corpo caracterizado pela mente, vontade e consciência, os cinco darmas, os modos da realidade, e os dois tipos de não-ego, pelo corpo de projeção e tornam-se hábeis no deleite da realização pessoal do conhecimento búdico.
“Essas são as quatro práticas cuja maestria capacita os bodisatvas a tornarem-se grandes praticantes e as quais vocês devem devotar-se.”
XXXI[312]
Mahamati perguntou mais uma vez, “Bhagavan, por favor nos fale sobre as causas e condições das coisas para que uma vez que nós estejamos conscientes de suas características, nós bodisatvas evitaremos as visões errôneas em relação a existência ou não-existência delas, e nós não confundiremos suas aparências como sequenciais ou simultâneas.”[313]
O Buda replicou, “Mahamati, todas as coisas são caracterizadas por dois tipos de condições: a saber, externa e interna. As condições externas incluem coisas tais como um torrão de barro, um eixo, uma roda, um pedaço de corda, um bastão, água e técnicas manuais. É a partir da aplicação de tais condições que, como resultado, temos um vaso. Assim como um vaso de barro, a aplicação das condições, da mesma forma, tem como resultado um tapete de um novelo de fio, um capacho da grama, um broto de uma semente e a manteiga do leite. Esses são resultados antes e depois das condições externas.
“Em relação às condições internas, coisas tais como a ignorância, o desejo e o carma constituem as condições, enquanto os skandhas, dhatus e ayatanas surgem para constituírem os resultados das condições. Eles não estão separados, mas é assim que as pessoas tolas os imaginam. É isso o que significa as condições internas.[314]
“Mahamati, existem seis tipos de causas: uma causa imanente, uma causa conectora, uma causa caracterizante, uma causa instrumental, uma causa manifestante e uma causa inativa.[315] Uma causa imanente produz efeitos internos e externos assim que ela se torna uma causa. Uma causa conectora produz efeitos internos e externos assim que ela forma uma conexão, assim como a dos skandhas e as sementes.[316] Uma causa caracterizante produz as características de uma continuidade ininterrupta. Uma causa instrumental exerce supremacia como um cakravartin. Uma causa manifestante manifesta causas e efeitos sempre que as projeções ocorrem, assim como uma lâmpada ilumina as formas. E uma causa inativa[317] é a ausência de projeção que ocorre com a interrupção da continuidade quando algo cessa.
“Mahamati, essas são as projeções das pessoas tolas, e elas não ocorrem sequencialmente ou simultaneamente. Como assim? Se elas ocorressem simultaneamente, não haveria diferença entre causa e efeito e seria impossível identificar uma causa. E se elas ocorresem sequencialmente, seria impossível identificar uma entidade individual. A não-ocorrência de uma ocorrência sequencial é como não ter a palavra pai na ausência dos filhos.
“Mahamati, não é verdade que o que ocorre sequencialmente é uma continuidade. É meramente uma projeção do que produz ou que é produzido pelas causas diretas, corroborantes, contínuas ou contribuintes.[318] Mahamati, uma ocorrência sequencial não ocorre porque ela é caracterizada por um apego a uma realidade imaginada. Ela não ocorre sequencialmente ou simultaneamente porque ela pertence às percepções da sua própria mente. E ela não ocorre sequencialmente ou simultaneamente, Mahamati, porque as características individuais ou compartilhadas de uma existência externa não existem. É apenas porque você está inconsciente que as percepções da sua própria mente são projeções que as formas aparecem. Portanto você deve evitar as visões de uma ocorrência sequencial ou simultânea caracterizando a operação das causas e condições.”
O Buda então repetiu o significado disso em verso:
- “Nada surge a partir de causas e condições / nem nada cessa / no coração do cessar e do surgir / surgem concepções de causas e condições
- Isso não é para parar a cessação e o surgimento / ou a continuidade das causas e condições / é apenas para parar as pessoas tolas / de conceberem erroneamente a causação
- Algo existindo ou não devido às causas / nada disso ocorre / a confusão da energia-hábito / a partir daí os três reinos aparecem
- Na verdade nada surge das causas / nem nada cessa / em relação aos seres condicionados / como flores no céu / abandone as visões deludidas / a apreensão e o apreendido[319]
- Nada surgiu ou surgirá / nem as causas ou as condições existem / nada existe de maneira alguma / e essas não são nada além de palavras.”
XXXII[320]
Mahamati mais uma vez perguntou ao Buda, “Bhagavan, por favor explique-nos as características essenciais da palavra projeção. Bhagavan, uma vez que eu e os outros bodisatvas entendamos as características essenciais de tal projeção e sejamos capazes de penetrar os dois tipos de verdade em relação às palavras e o que elas expressam,[321] nós rapidamente alcançaremos a iluminação insuperável e perfeita e usaremos os dois tipos de verdade em relação às palavras e o que elas expressam para libertar todos os seres da impureza.”
O Buda replicou, “Mahamati, ouça cuidadosamente e pondere isso bem, vou lhes dizer.”
Mahamati disse, “Maravilhoso, Bhagavan. Que nós sejamos assim instruídos.”
O Buda disse a Mahamati, “Existem quatro tipos de projeção de palavras: palavras objeto, palavras sonho, palavras de apego às projeções errôneas e palavras para projeções sem início.[322]
“Palavras objeto surgem do apego à projeção das formas e características. Palavras sonho surgem do recordar reinos previamente experienciados que ao acordar são descobertos inexistentes. Palavras de apego às projeções errôneas surgem do recordar atos prévios de hostilidade.[323] E palavras para projeções sem início surgem da energia-hábito das sementes dos apegos passados às projeções sem início. É isso o que caracteriza os quatro tipos de projeções de palavras.”
XXXIII[324]
Mais uma vez Mahamati suplicou ao Buda para que este explicasse o significado disso: “Bhagavan, por favor nos fale novamente sobre o reino no qual a projeção de palavras ocorre. Bhagavan, onde, por que, como, e baseado em que, os seres produzem as suas projeções de palavras?”
O Buda disse a Mahamati, “Os sons são produzidos pela conjunção da cabeça, peito, garganta, nariz, lábios, língua e dentes.”
Mahamati perguntou ao Buda, “Bhagavan, as palavras e as projeções são separadas ou não separadas?”
O Buda replicou, “As palavras e as projeções não são nem separadas, nem não separadas. Como assim? Porque uma é a causa da outra.[325] Mahamati, se as palavras e as projeções fossem separadas, as projeções não poderiam ser a causa das palavras. E se não fossem separadas, as palavras não poderiam expressar seus significados. Mas elas expressam. Logo, elas não são separadas e não não separadas.”
Mahamati perguntou de novo ao Buda, “Bhagavan, as palavras são a verdade última? Ou o que elas expressam é a verdade última?”
O Buda replicou, “Mahamati, as palavras não são a verdade última, nem o que elas expressam é a verdade última. Como assim? A verdade última é o que os budas deleitam-se. E àquilo que as palavras conduzem é a verdade última. Mas as palavras não são a verdade última. A verdade última é aquilo que é alcançado pela realização pessoal do conhecimento búdico. Não é um reino conhecido através da projeção das palavras. Por isso, a projeção das palavras não expressa a verdade última.
“As palavras surgem, cessam e mudam, suas ocorrências dependendo de causas variáveis e condições. Mahamati, o que depende de causas variáveis e condições para sua ocorrência não expressa a verdade última. Mahamati, por causa da não-existência de suas próprias características ou daquelas de outra coisa, as palavras não expressam a verdade última. Ademais, Mahamati, porque qualquer característica de uma existência externa não existe exceto como uma percepção da própria mente de alguém, a projeção das palavras não expressa a verdade última. Logo, Mahamati, você deve evitar a projeção das palavras.”
XXXIV[326]
O Buda então repetiu o significado disso em verso:
- “Qualquer coisa que existe não tem auto-existência / o mesmo é verdade para as palavras / a profunda verdade da vacuidade da vacuidade / é algo que os tolos não sabem
- A auto-existência do que existe / e as palavras que ensino são como sombras / para aqueles que realizam eles próprios o conhecimento búdico / ensino a realidade última.”[327]
XXXV[328]
Mahamati então perguntou ao Buda, “Bhagavan, por favor nos fale, como transcendemos a igualdade, a diferença, ambas e nenhuma delas, a existência, a não-existência, e nem a existência nem a não-existência, permanência e impermanência,[329] que não é praticada pelos seguidores dos outros caminhos, mas que é a prática da realização pessoal do conhecimento búdico? E como nos libertamos das características individuais e compartilhadas da projeção? E como concordamos com a verdade da realidade última e a sequência dos estágios marcada pelo aumento da purificação que leva ao estágio do tatagata, onde a determinação sem esforço de alguém, como uma joia mágica que reflete todas as cores, exibe reinos sem limites, mas onde tudo o que é exibido é distinguido como uma percepção da própria mente de alguém? E como nós e os outros bodisatvas evitamos as visões das características individuais e compartilhadas de tal realidade imaginada e rapidamente alcançamos a iluminação insuperável e perfeita e capacitamos os outros seres para alcançarem a felicidade completa e o contentamento?”
O Buda replicou, “É excelente, Mahamati, excelente, que você seja capaz de perguntar-me sobre o significado de tais coisas para a felicidade de tantos, para o bem estar de muitos, a partir da compaixão por todos os deuses e humanos.”
O Buda disse a Mahamati, “Ouça cuidadosamente e pondere bem, vou esclarecer e explicar isso para vocês.”
Mahamati disse, “Maravilhoso, Bhagavan. Que nós sejamos assim instruídos.”
O Buda disse, “Mahamati, as pessoas tolas apegam-se à existência interna e externa devido a energia-hábito de seus apegos às projeções ou a auto-existência da igualdade ou diferença, ou ambas, ou nenhuma delas, ou da existência ou não-existência ou nem existência, nem não-existência, ou da permanência ou impermanência, inconscientes que elas não são nada além de suas próprias mentes.
“Mahamati, é como quando os cervos estão oprimidos pela sede e veem uma miragem cintilante e, pensando que é água, correm tolamente em sua direção, inconscientes que não é água. Da mesma maneira, as pessoas tolas são infectadas pela energia-hábito das projeções sem início e fabricações e são inflamadas pelos fogos da ambição, raiva e delusão. Deleitando-se nos mundos das formas e contemplando suas originações, durações e cessações e apegando-se à existência externa e interna, eles são vítimas do apego e da imaginação de concepções de suas igualdades ou diferenças, ou ambas ou nenhuma delas, ou de suas existências ou não-existências ou nem existências nem não-existências, ou de suas permanências ou impermanências.
“É como uma cidade de gandharvas,[330] a qual as pessoas tolas desprovidas de sabedoria imaginam como uma cidade, mas que é a aparência da energia-hábito de seus apegos sem início à forma e não é nem uma cidade, nem não é uma cidade. Da mesma maneira, existem seguidores dos outros caminhos que apegam-se às visões de igualdade ou diferença ou ambas ou nenhuma, ou de uma existência ou não-existência ou nem existência nem não-existência, ou da permanência ou impermanência devido à energia-hábito de seus apegos sem início às ficções e elas são assim incapazes de vê-las como nada além de percepções de suas próprias mentes.
“É como quando as pessoas sonham[331] que estão em um lugar cheio de homens e mulheres, elefantes e cavalos, carros e pedestres, cidades e vilas, pomares e florestas, montanhas e rios, lagoas e lagos. E ao andarem, eles relembram-se disso. Mahamati, o que você acha? Se essas pessoas não abandonarem a memória do que eles sonharam previamente, eles são sábios ou não?”
Mahamati replicou, “Eles não são sábios, Bhagavan.”
O Buda disse a Mahamati, “O mesmo é verdade sobre as pessoas tolas infestadas pelas visões errôneas e a sabedoria dos seguidores dos outros caminhos que não realizam que suas visões de igualdade ou diferença ou ambas ou nenhuma, ou da existência ou não-existência, ou nem existência, nem não-existência, ou de permanência ou impermanência são como percepções surreais de suas próprias mentes.
“É como uma pintura de paisagem sem altura e profundidade[332] onde as pessoas tolas imaginam a altura e a profundidade. O mesmo é verdade em relação aos seguidores futuros dos outros caminhos cheios de energia-hábito de visões errôneas. Devido às suas visões de igualdade ou diferença ou ambas ou nenhuma, ou da existência ou não-existência ou nem existência nem não-existência, ou de permanência ou impermanência, eles prejudicam a si mesmos e aos outros, chamando-os de niilistas por manterem as doutrinas do não-surgimento e nem existência, nem não-existência. Rejeitando a causação, eles cortam suas boas raízes e destroem os meios para libertarem-se da impureza. Qualquer pessoa que procura a transcendência deve manter-se longe deles. Uma vez que essas que reivindicam tais coisas caem presas das visões do ego, um outro, ou ambos e as projeções da existência ou não-existência, eles tornam-se presos nas asserções e negações, e por causa de tais concepções errôneas, eles terminam em um dos infernos.
“É como alguém com visão imperfeita que vê moscas volantes e pergunta aos outros se eles as veem. As moscas volantes não existem de fato. Mas elas nem não existem, porque elas são vistas e não vistas. O mesmo é verdade sobre as fantasias e desejos dos seguidores dos outros caminhos, que são baseados nas visões de igualdade ou diferença ou ambos ou nenhuma, ou da existência ou não-existência ou nem existência, nem não-existência, ou de permanência ou impermanência, com as quais eles caluniam o verdadeiro Darma e enganam a si mesmos e aos outros.
“É como uma roda de fogo que não é uma roda.[333] As pessoas tolas imaginam uma roda, mas não o sábio. Da mesma maneira, as fantasias e desejos dos seguidores dos outros caminhos são baseados no imaginar qualquer coisa que surge em termos de igualdade ou diferença, ou ambas ou nenhuma, ou de existência ou não-existência ou nem existência, nem não-existência, ou de permanência ou impermanência.
“É como gotas de chuva, que parecem joias.[334] Os tolos e aqueles de pouca ou nenhuma sabedoria erroneamente as tomam por gemas e tentam pegá-las. Mas as gotas de chuva não são nem gemas, nem não gemas porque elas são pegas e não pegas. Da mesma maneira, os seguidores dos outros caminhos infectados pela energia-hábito das visões falsas e projeções consideram o que não existe como surgindo e o que existe devido às causas como cessando.[335]
“Ademais, Mahamati, existem aqueles versados nos três meios do conhecimento[336] ou no silogismo de cinco partes[337] que imaginam que existe algo na realização pessoal do conhecimento búdico que existe à parte dos dois modos da realidade.[338] Mahamati, aqueles que transformam as suas mentes, vontades e consciências conceituais colocam um fim às projeções de apreensão e apreendido que são percepções de suas próprias mentes. Mas aqueles que cultivam a realização pessoal do conhecimento búdico do estágio do tatagata não pensam nela como existente ou não existente. Se aqueles que cultivam devem desenvolver uma percepção da existência ou não-existência de tal reino, eles perceberiam uma individualidade, um ego, ou uma pessoa.
“Mahamati, qualquer ensinamento envolvendo a auto-existência de características individuais ou compartilhadas é o ensinamento de um buda de aparição, não o ensinamento de um buda real. Ademais, todos os seus ensinamentos surgem das visões e desejos dos seres tolos e não são para estabelecer os ensinamentos de outra realidade ou para indicar a bem-aventurança do samádi alcançado por aqueles que habitam na realização pessoal do conhecimento búdico.
“É como a aparição da reflexão de uma árvore na água,[339] que não é uma reflexão e não é uma não reflexão, e que não se assemelha a uma árvore e não não se assemelha a uma árvore. Da mesma forma, aqueles que são infectados pela energia-hábito das visões heterodoxas e são apegados às projeções de igualdade ou diferença ou ambas ou nenhuma, ou da existência ou não-existência ou nem existência, nem não-existência, ou de permanência ou impermanência não saberiam que essas não são nada além de percepções de suas próprias mentes.
“É como um espelho limpo que mostra todas as formas e imagens perante ele sem discriminar entre elas.[340] Elas não são imagens e não são não imagens. Mas elas são vistas como imagens ou não, dependendo se as pessoas tolas as discriminam assim. Da mesma forma, as concepções errôneas dos seguidores dos outros caminhos aparecem como imagens de suas próprias mentes, que eles discriminam e apegam-se baseados em suas visões de igualdade ou diferença ou ambas ou nenhuma, ou de existência ou não-existência ou nem existência, nem não-existência, ou de permanência ou impermanência.
“É como os sons feitos quando a água e o vento encontram-se.[341] Eles nem existem, nem não existem. Da mesma forma, as concepções errôneas e as projeções dos seguidores dos outros caminhos são baseadas nas visões de igualdade ou diferença ou ambas ou nenhuma, ou de existência ou não-existência ou nem existência, nem não-existência, ou de permanência ou impermanência.
“É como as ondas de calor que fluem como rios ou surgem como nuvens em locais carentes de vegetação.[342] Elas nem existem, nem não existem dependendo da existência ou não da sede. O mesmo é verdade dos ignorantes. Infectados pela energia-hábito das fabricações sem início, eles imaginam a igualdade ou diferença ou ambas ou nenhuma, ou a existência ou não-existência ou nem existência, nem não-existência, ou a permanência ou impermanência da originação, duração e cessação como o conhecimento da realidade conhecida pelos budas,[343] assim como ondas de calor.
“É como quando alguém usa encantamentos para fazer algo que não está vivo mover-se,[344] ou quando algo controlado por uma pishaca[345] move-se e as pessoas tolas apegadas à projeção do movimento dizem que ele existe. Da mesma maneira, as concepções errôneas e os desejos dos seguidores dos outros caminhos são baseados nas visões de igualdade ou diferença ou ambas ou nenhuma, ou de existência ou não-existência ou nem existência, nem não-existência, ou de permanência ou impermanência. Mas eles são associados às ficções e não são encontrados em nada real.
“Portanto, Mahamati, aqueles que querem alcançar a realização pessoal do conhecimento búdico devem abandonar[346] todas as visões e projeções relacionadas à igualdade ou diferença ou ambas ou nenhuma, ou relacionadas à existência ou não-existência ou nem existência, nem não-existência, ou relacionadas à permanência ou impermanência da originação, duração e cessação.”
O Buda então repetiu o significado disso em verso:
- “Uma ilusão, um sonho, a reflexão de uma árvore na água / uma mosca volante, uma miragem cintilante / quem vê os três reinos assim / finalmente alcança a liberação[347]
- Assim como a visão de uma miragem / desorienta a mente conforme ela bruxuleia / os cervos imaginam água / onde nenhuma água de fato existe
- Da mesma forma as sementes da consciência[348] / bruxuleiam no mundo visível / os tolos produzem as projeções / como se estivessem olhando através de cataratas* [NT. A doença dos olhos]
- Por nascimento e morte sem começo / apegados a apreender a existência / removendo uma cunha com outra / eles renunciam aos seus desejos de apreender
- Como algo que se move por mágica / uma nuvem, um sonho ou relâmpago / tais discernimentos resultam em liberação / e cortam as três continuidades para sempre[349]
- Não há criador dentro / as coisas assemelham-se a uma miragem no céu[350] / uma vez que você saiba que elas são assim / não há nada conhecido
- As designações são meramente nomes / desprovidas de características / mas delas as projeções nascem / os skandhas são como moscas volantes
- Como moscas volantes ou pinturas / ilusões ou sonhos ou cidades de gandharvas / miragens cintilantes ou rodas de fogo / os seres que não existem são assim percebidos
- Permanência ou impermanência, igualdade ou diferença / ambas ou nenhuma / as projeções errôneas dos tolos / continuidades sem início
- Na água, em um espelho, ou em um olho desanuviado / em uma joia miraculosa / incontáveis formas são vistas / nenhuma delas é real
- Qualquer coisa que existe aparece / como uma pintura ou uma miragem cintilante / todas as formas que são vistas / são como um sonho no qual nada é real.”
XXXVI[351]
“Ademais, Mahamati, o ensinamento dos tatagatas é livre das quatro possibilidades[352] da igualdade ou diferença ou ambas ou nenhuma, ou da existência ou não-existência ou nem existência, nem não-existência, ou da permanência ou impermanência e também livre das projeções de asserção ou negação da existência ou não-existência. O que os tatagatas ensinam principalmente são as verdades das escrituras, a originação dependente, o caminho, a cessação e a liberação.[353] O ensinamento deles não inclui uma auto-existência, um deus supremo, uma causa espontânea, partículas minúsculas, períodos temporais ou uma entidade continuamente existente. Além disso, Mahamati, é para eliminar as obstruções gêmeas da paixão e do conhecimento que eles apresentam a série de 108 declarações[354] livres de projeção e distinguem as características dos vários caminhos e estágios,[355] como se fossem chefes de caravanas.[356]
XXXVII[357]
“Ademais, Mahamati, existem quatro tipos de meditação. E quais são os quatro? A meditação do iniciante, meditação no significado, meditação na talidade e a meditação do tatagata.
“O que significa meditação do iniciante? Isso refere-se ao que os shravakas, pratyeka-budas e seguidores dos outros caminhos praticam, que é focar primariamente na meditação sobre a não-existência de um ego pessoal entre as características individuais e compartilhadas de suas estruturas corporais, na sua impermanência, seu sofrimento e sua impureza. Meditando apenas nessas características eles procedem de uma para a próxima, mas sem eliminar tais características.[358] É isso o que significa meditação do iniciante.
“E o que significa meditação no significado?[359] Dada a ausência de um ego entre as características individuais ou compartilhadas das pessoas e a não-existência de um ego, um outro, ou ambos como ensinado pelas seitas heterodoxas, isso refere-se à meditação na ausência de um ego entre os darmas e sobre o significado das características dos estágios através dos quais uma pessoa avança continuamente. É isso o que significa meditação no significado.
“E o que significa meditação na talidade?[360] Isso refere-se à projeção da projeção dos dois tipos de não-ego[361] e a projeção do não-surgimento da talidade. Isso é o que significa meditação na talidade.
“E o que significa meditação do tatagata? Isso refere-se ao desfrutar da bem-aventurança[362] tripla que caracteriza a realização pessoal do conhecimento búdico e na realização de feitos inconcebíveis em prol dos outros seres até alcançar o estágio do tatagata. Isso é o que significa meditação do tatagata.”
O Buda então repetiu o significado disso em verso:
- “A meditação praticada por iniciantes / a meditação no significado das características / a meditação baseada na talidade / ou a meditação pura dos tatagatas
- Em formas tais como o sol ou a lua / ou um lótus nas profundezas do inferno[363] / ou espaço após o fogo[364] / assim os praticantes contemplam
- Uma miríade de objetos tais como esses / preenchem as meditações das outras escolas / e aqueles presos nos reinos / dos shravakas ou pratyeka-budas
- Aqueles que abandonam esses / ao fazerem isso ficam livres das projeções / os budas vêm de todas as terras / com mãos para além da concepção / e tocam suas cabeças como se fossem uma / e os conduzem à talidade.”[365]
XXXVIII[366]
O Bodisatva Mahamati então perguntou ao Buda, “Em relação ao entrar no nirvana, Bhagavan, qual é o significado de ‘nirvana?’”
O Buda replicou, “Testemunhar a transformação da energia-hábito da auto-existência da consciência repositório, a vontade e a consciência conceitual, isso é o que significa nirvana. O nirvana de outros budas e o meu mesmo é o reino que é vazio de auto-existência.
“Ademais, Mahamati, nirvana é o reino da realização pessoal do conhecimento búdico. É livre da existência ou não-existência das projeções de permanência ou impermanência. E por que ele não é permanente? Porque as projeções das características individuais ou compartilhadas são impermanentes. Por isso ele não é permanente.[367] E por que ele não é impermanente? Porque ele é a realização pessoal alcançada por todos os sábios do passado, presente e futuro. Por isso ele não é impermanente.[368]
“Mahamati, o nirvana não é aniquilação, nem morte. Se o nirvana fosse morte, haveria a continuidade de algo renascido. E se o nirvana fosse aniquilação seria caracterizado por algo criado.[369] Portanto, o nirvana é livre da aniquilação e livre da morte. É por isso que ele é o refúgio dos praticantes.
“Além disso, Mahamati, o nirvana não é perdido e não é encontrado. Ele não é impermanente, e não é permanente. Ele não tem um significado e não tem significados múltiplos.[370] É isso o que significa nirvana.
“Além do mais, Mahamati, o nirvana dos shravakas e pratyeka-budas consiste em uma consciência das características individuais e compartilhadas, em evitar contato, em pôr fim às delusões, e em não dar origem às projeções.[371] Essa é a ideia de nirvana deles.
XXXIX[372]
“Ademais, Mahamati, existem dois tipos de auto-existência. E quais são eles? Apego à auto-existência das palavras e apego à auto-existência dos objetos. O apego à auto-existência das palavras vem do apego da energia-hábito das projeções das palavras sem início. O apego à auto-existência dos objetos vem do realizar que as distinções que surgem são percepções da própria mente de alguém.
XL[373]
“Além disso, Mahamati, os tatagatas empregam dois tipos de poderes[374] para amparar os bodisatvas quem chegam perante eles para instrução. E quais dois poderes de amparo? O poder de aparecer na forma corporal e falar para aqueles que estão no samádi e o poder de ungir suas frontes.[375]
“Mahamati, ao confiar nesses poderes dos budas, os bodisatvas no estágio inicial do caminho do bodisatva entram no que é conhecido como a Luz do Samádi Mahayana.[376] Uma vez que eles entram nesse samádi, os budas de todos os mundos ao longo das dez direções aparecem em forma corporal e falam a eles através desses poderes, como eles fizeram com o Bodisatva Vajragarbha[377] e com outros bodisatvas de virtudes e realizações similares.
“Mahamati, o poder do samádi alcançado por esses bodisatvas no estágio inicial do caminho do bodisatva é um resultado das boas raízes que eles cultivaram e acumularam ao longo de uma centena de milhar de kalpas. Conforme eles mantêm os seus caminhos através dos aspectos fáceis e difíceis[378] dos vários estágios, eles finalmente alcançam o estágio da nuvem do darma,[379] onde eles habitam dentro de um palácio magnífico de flor de lótus sentados sobre um trono cravejado de joias cercados por um séquito de seus seguidores bodisatvas adornados com colares de joias que brilham como o sol ou a lua ou flores champaka douradas.[380] Os grandes vitoriosos das dez direção então aparecem perante seus tronos nesse palácio de flor de lótus e ungem suas frontes, assim como Shakra[381] ou um cakravartin poderiam ungir a fronte de um príncipe da coroa.[382] É isso o que significa o poder de ungir a fronte dos bodisatvas. Mahamati, é isso o que significa os dois poderes que amparam os bodisatvas. Os bodisatvas que confiam nesses dois poderes encontrarão os tatagatas. Caso contrário, eles não os encontrarão.
“Ademais, Mahamati, todas as habilidades especiais dos bodisatvas em relação ao samádi e ao ensinamento dependem desses dois poderes dos tatagatas. Mahamati, se os bodisatvas podem ensinar sem os poderes de amparo dos tatagatas, os tolos também poderiam. E por que estes não podem? Porque eles não são amparados por esses dois poderes.
“Mahamati, quando os tatagatas entram em uma cidade, devido aos seus grandes poderes, a música surge espontaneamente dos instrumentos, assim como das colinas, rochas, árvores e das muralhas da cidade e dos palácios, assim como dos seres sencientes e também dos surdos, cegos e mudos que são liberados de incontáveis formas de sofrimento – tais são os poderes ilimitados dos tatagatas para ajudar os outros.”
Mahamati então perguntou ao Buda, “Bhagavan, por que os tatagatas, os arhats, os totalmente iluminados concedem seus poderes de amparo quando os bodisatvas estão no samádi e ungem suas frontes durante os estágios superiores?”
O Buda replicou, “Mahamati, os tatagatas, os arhats, os totalmente iluminados usam seus poderes para amparar os bodisatvas para que eles não sejam atrapalhados por demônios e não caiam nos transes dos shravakas e para que eles alcancem a realização pessoal do estágio do tatagata e para que suas realizações aumentem. Se eles não usam os seus poderes para ampará-los, os bodisatvas podem cair vítimas das concepções errôneas e projeções dos seguidores dos outros caminhos ou dos desejos dos shravakas e demônios e não alcançarem a iluminação insuperável e perfeita. Portanto, todos os tatagatas usam seus poderes para proteger os bodisatvas.”
O Buda então repetiu o significado disso em verso:
- “O mais nobre dentre aqueles com poderes superiores / promete purificar todos / seus samádis e suas frontes / do estágio inicial ao décimo.”[383]
XLI[384]
Mahamati novamente perguntou ao Buda, “Bhagavan, quando o Buda fala de originação dependente,[385] ele fala de causas e condições e não fala de um ego.[386] Bhagavan os seguidores dos outros caminhos também falam de causas e condições, ou seja, que qualquer coisa que existe surge como um resultado de uma deidade suprema ou força, ou tempo, ou partículas minúsculas. Quando o Bhagavan diz que qualquer coisa que existe surge como um resultado de causas e condições, a sua posição é a mesma ou diferente?
“Bhagavan, os seguidores dos outros caminhos dizem que o que existe vem do que existe ou do que não existe, enquanto o Bhagavan diz que o que existe vem do que não existe, e uma vez que surge, cessa. De acordo com o Bhagavan, a ignorância é a condição da memória e assim por diante até a velhice e a morte.[387] Mas isso, Bhagavan, é um ensinamento de não causas, não um ensinamento de causas. O ensinamento estabelecido pelo Bhagavan diz o seguinte: ‘Porque isso existe, aquilo existe.’[388] Ele não reconhece a existência gradual.[389] O ensinamento das outras escolas poderia parecer superior, não o do Tatagata. E como isso? Porque de acordo com as outras escolas, Bhagavan, a causa não surge das condições, mas faz surgir o que existe.[390] Ao passo que o Bhagavan diz que o efeito é discernível na causa, e a causa é discernível no efeito,[391] o que confunde causas e condições e que assim forma um círculo infinito.”
O Buda disse a Mahamati, “Não ensino que não existem causas, nem confundo as causas e as condições, em vez disso ensino ‘porque isso existe, aquilo existe,’ a não-existência do que apreende e o que é apreendido e a consciência que esses não são nada além de percepções da própria mente de alguém. Mahamati, enquanto as pessoas apegarem-se ao que apreende ou o que é apreendido e estiverem inconscientes que esses não são nada além de percepções de suas próprias mentes, serão elas que confundirão a existência ou a não-existência dos objetos externos, não o meu ensinamento sobre a originação dependente. Sempre ensinei que as coisas surgem devido às conjunções de causas e condições, não que elas surgem sem uma causa.”
XLII[392]
Mahamati mais uma vez perguntou ao Buda, “Bhagavan, não é porque as palavras existem que as coisas existem? Bhagavan, se nada existisse, as palavras não surgiriam. Portanto, Bhagavan, é por que as palavras existem que as coisas existem.”[393]
O Buda disse a Mahamati, “As palavras são criadas mesmo quando as coisas não existem. Entre as palavras que aparecem hoje em dia temos ‘chifres de coelho’ e ‘cabelo de tartaruga.’[394] Mahamati, essas coisas não existem e não não existem. Elas são meramente palavras. Sua alegação que porque as palavras existem as coisas existem é errônea.
“Nem, Mahamati, as palavras existem em todos os mundos. As palavras são simples fabricações. Em outras terras búdicas, o Darma é expresso olhando fixamente ou por expressões faciais, ou ao levantar as sobrancelhas, ou ao piscar os olhos, ao sorrir, abrir a boca, limpar a garganta, pensar em alguma coisa, ou ao acenar. Por exemplo, Mahamati, nos mundos dos Olhos que Não Piscam ou das Fragrâncias Reunidas[395] ou na terra do Tatagata Samantabhadra,[396] um simples olhar capacita os bodisatvas a alcançar o autocontrole do não-surgimento e samádis incomparáveis. Portanto, a existência das palavras não significa a existência das coisas. Mahamati, nesse mundo criaturas tais como mosquitos, pernilongos, formigas e insetos todos conduzem as suas vidas sem palavras.”
O Buda então repetiu o significado disso em verso:
- “Assim como o espaço ou chifres de coelho / ou o filho de uma mulher estéril / não existem exceto como palavras / assim são as projeções da existência
- Onde as causas e as condições encontram-se / os tolos produzem as projeções / incapazes de entender o que é real / eles erram através da Hospedaria dos Três Reinos.”[397]
XLIII[398]
O Bodisatva Mahamati então perguntou ao Buda, “Bhagavan, por que dizem que o discurso é eterno?”[399]
O Buda disse a Mahamati, “Por causa da delusão.[400] As delusões também aparecem aos sábios, mas eles não são confundidos por elas. Mahamati, coisas tais como miragens cintilantes, tições, moscas volantes, cidades de gandharvas, ilusões, sonhos e reflexões confundem as pessoas mundanas, mas não os sábios. Não é que essas coisas não aparecem, Mahamati – todos os tipos de delusões aparecem, mas não é verdade que as delusões não são eternas. Como assim? Porque elas nem existem, nem não existem.
“E como é isto, Mahamati, que as delusões nem existem, nem não existem? Porque os reinos dos seres tolos são diferentes. Por exemplo, porque os pretas veem e não veem o Ganges, ele não existe como uma delusão.[401] Mas porque ele aparece para os outros, ele não não existe. Da mesma forma, o sábio não é nem confundido, nem não confundido pelas delusões. Assim, porque as suas características não são destruídas, as delusões são eternas. Mahamati, não são as diferentes características das delusões, mas as características das projeções que são destruídas. Assim, as delusões são eternas.
“E como é isto, Mahamati, que as delusões são reais?[402] Pela razão que o sábio não produz o pensamento de estar confuso ou o pensamento de não estar confuso por uma delusão. Não apenas o sábio, Mahamati, mas se alguém produz a mais singela percepção de uma delusão, isso não se qualifica como conhecimento búdico. Mahamati, qualquer coisa sobre sua existência é a fala errônea dos tolos e não a fala dos sábios.
“Sejam as delusões imaginadas como confusão ou não, elas produzem duas linhagens: a linhagem dos tolos e a linhagem dos sábios, com esta sendo mais uma vez dividida entre um caminho shravaka, um caminho pratyeka-buda e um caminho dos budas.
“E como as projeções dos ignorantes produzem a filiação no caminho shravaka? A filiação no caminho shravaka é o resultado do apego às características individuais e compartilhadas. É assim que as projeções produzem a filiação no caminho shravaka.
“Mahamati, em relação a como as projeções da delusão produzem a filiação no caminho do pratyeka-buda, a filiação no caminho do pratyeka-buda é resultado do apego à aversão às características individuais e compartilhadas das delusões.
“E em relação aos sábios e como as delusões produzem a filiação ao caminho dos budas, a filiação no caminho dos budas é resultado da consciência que as percepções não são nada exceto a própria mente de alguém, da existência externa como não-existência, e da não-projeção das características. É assim que as delusões produzem a filiação no caminho dos budas.[403]
“Entretanto, quando as pessoas percebem erroneamente a existência de objetos diferentes, isso produz a filiação na linhagem dos tolos. Mantendo que esse objeto não existe ou que aquele objeto não não existe, é isso o que significa essa linhagem.
“Mas quando as delusões não são projetadas, Mahamati, os sábios são capazes de transformar a existência da energia-hábito da mente, a vontade e a consciência, os modos da realidade e os darmas no que é chamado de talidade.[404] Assim é dito: ‘a talidade é a mente libertada.’ E para tornar ainda mais claro eu digo ‘estar livre das projeções significa estar livre de todas as projeções.’”
Mahamati perguntou ao Buda, “Bhagavan, as delusões existem ou não?”
O Buda disse a Mahamati, “Elas são como ilusões. Não há nada para apreender. Se uma delusão tivesse algo que pudesse ser apreendido, a existência da apreensão nunca cessaria, e a originação dependente equivaleria à criação por causas e condições, como reivindicado pelos seguidores dos outros caminhos.”[405]
Mahamati perguntou ao Buda, “Se uma delusão é como uma ilusão, ela pode servir como causa para outras delusões?”
O Buda disse a Mahamati, “Uma ilusão não é a causa de uma delusão porque ela não produz a percepção errônea. Mahamati, uma ilusão não produz uma percepção errônea porque ela não envolve a projeção. Mahamati, as ilusões são produzidas por mágica e não pela energia-hábito das projeções ou percepções errôneas. Assim, elas não produzem as percepções errôneas. Mahamati, são as mentes dos tolos que apegam-se às delusões, não as dos sábios.”
O Buda então repetiu o significado disso em verso:
- “Os sábios não veem delusões / com qualquer coisa real dentro delas / se houvesse algo real dentro / as delusões seriam reais
- Se as delusões são abandonadas / e algo deve aparecer / seria outra delusão / um defeito como uma catarata.”[406]
XLIV[407]
“Ademais, Mahamati, ao ver tudo como uma ilusão, se não fossem as ilusões, não haveria nada com que comparar as coisas.”[408]
Mahamati disse, “Bhagavan, você diz que as coisas são ilusórias por causa do apego às características ilusórias ou por causa do apego a uma outra coisa? Se tudo o que existe fosse ilusório por causa do apego às diferentes características ilusórias, Bhagavan, existiria alguma coisa que não seria ilusória.[409] Como assim? Porque as diferentes características de uma forma não têm causa. Bhagavan, é a aparência das diferentes características não causadas de uma forma que é ilusória. Portanto, Bhagavan, não é o apego às diferentes características ilusórias que faz as coisas parecem ilusórias.”
O Buda disse a Mahamati, “Não é o apego às diferentes características ilusórias que faz tudo parecer ilusório. Em vez disso, Mahamati, é porque tudo é irreal e desaparece tão rápido quanto um raio. É por isso que tudo é ilusório. Como o raio, Mahamati, tudo aparece apenas por um momento. No momento em que aparece, desaparece. Mas isso não é como as coisas aparecem para as pessoas tolas, que observam tudo em termos das características individuais e compartilhadas de suas próprias projeções. Uma vez que o que não existe não aparece, eles permanecem apegados às características da forma.”
O Buda então repetiu o significado disso em verso:
- “Se não fossem ilusões como seriam as coisas / por isso elas são chamadas ilusórias / irreais e transitórias como um raio / por isso elas são chamadas ilusórias.”
XLV[410]
Mahamati mais uma vez perguntou ao Buda, “De acordo com o Bhagavan, tudo é não-surgido e ilusório. Mas quando ele diz que o não-surgido é ilusório, não há uma contradição nas declarações anteriores e posteriores do Bhagavan?”[411]
O Buda disse a Mahamati, “Não é verdade que quando digo que o não-surgido é ilusório exista uma contradição nas minhas declarações anteriores e posteriores. E por que não? Porque o que surge não surge. Quando você realiza que se algo existe ou não nada mais é do que a percepção de sua própria mente, a sua existência externa é vista como não-existente e não-surgida. Mahamati, não há contradição em minhas declarações anteriores e posteriores.
“Entretanto, é para refutar o surgimento a partir das causas das outras escolas que digo que tudo é não-surgido. Mahamati, os membros confusos das outras escolas mantêm o surgimento da existência ou da não-existência e negam que elas resultam do apego às suas próprias projeções. Mahamati, porque nego o surgimento da existência ou não-existência, leciono o ensinamento do não-surgimento.
“Mahamati, ensino a existência para refutar a visão niilistas que nada existe e para que meus discípulos aceitem o samsara,[412] para que eles aceitem que onde quer que eles renasçam envolve diferenças no carma. Assim, ensino a existência para que eles aceitem o samsara.[413]
“Mahamati, ensino o caráter ilusório da auto-existência para que eles libertem-se da auto-existência. Mas devido às visões e esperanças errôneas, as pessoas tolas são inconscientes que essas não são nada além das percepções de suas próprias mentes. Para refutar o surgimento a partir das causas e do apego à auto-existência das condições e para prevenir os tolos de apegarem-se às visões e esperanças errôneas em relação ao que pertence a eles próprios e aos outros e da criação de doutrinas equivocadas sobre como ver as coisas como elas realmente são, ensino que a auto-existência de tudo é uma ilusão e um sonho. Mahamati, ver as coisas como elas realmente são é um meio para transcender[414] o que não é nada além de percepções de sua própria mente.”
O Buda então repetiu o significado disso em verso:
- “Não-surgimento significa não-existência / a existência inclui o samsara / quem vê essas como ilusões / não produz projeções da forma.”
XLVI[415]
“Ademais, Mahamati, explicarei as características das unidades da palavra, frase e das letras.[416] Pois os bodisatvas que tornam-se peritos no exame das características da palavra, frase e das unidades das letras e no penetrar do significado da palavra, frase e unidades das letras rapidamente alcançarão a iluminação insuperável e perfeita. E uma vez que eles estejam assim iluminados, eles iluminarão outros.
“Mahamati, em relação a uma unidade de palavra, uma palavra é estabelecida baseada em um objeto. Isso é o que significa uma unidade de palavra. Em relação a unidade de frase, uma frase é uma unidade de significado. Ela define ou determina a auto-existência de algo. Isso é o que significa uma unidade de frase. Em relação a unidade de letra, ela aponta para uma palavra ou frase. É isso o que significa uma unidade de letra. Além disso, uma unidade de letra pode ser longa ou curta, alta ou baixa.[417] Ademais, uma unidade de frase é uma pegada. Por exemplo, uma pegada deixada por uma pessoa ou por um animal como um cavalo ou um elefante pode ser chamada de uma unidade de frase.[418]
“Mahamati, em relação às palavras e letras, usamos as palavras para referir-nos aos skandhas sem formas.[419] Assim falamos de palavras. E usamos as letras para apontar para suas características individuais. Assim falamos de letras. É isso o que significa as unidades de palavra, frase e letra e porque eu disse que distinguir as características das unidades de palavra, frase e letras é algo que todos vocês devem cultivar.”
O Buda então repetiu o significado disso em verso:
- “Distinguir as unidades de letras / unidades de palavras e frases / as pessoas que tolamente apegam-se a essas / são como elefantes em um atoleiro.”
XLVII[420]
“Ademais, Mahamati, nas eras futuras aqueles que serão sábios poderão perguntar àqueles que não serão o que eu quis dizer com ‘evitar as visões caracterizadas por igualdade, diferença, ambas ou nenhuma.’[421] E eles poderão responder, ‘Se a forma[422] e assim por diante são permanentes ou não ou se elas são diferentes ou não, não é uma questão adequada.’[423] Do mesmo modo, se eles forem solicitados a comparar e contrastar as características do nirvana e do samskara,[424] características e o que é caracterizado, qualidades e o que é qualificado, matéria e o que é feito da matéria,[425] ver e o que é visto, terra e pó, prática e praticante, eles poderão responder, ‘O Buda as declarou irrespondíveis.’
“Mas o silêncio é algo que tais pessoas tolas não entenderiam. É porque falta sabedoria aos que estão presentes que os tatagatas, os arhats, os totalmente iluminados dizem que essas questões são irrespondíveis, para ajudá-los a superar o medo. É por isso que eles não respondem. Também, é para pôr um fim às visões errôneas dos outros caminhos que eles não respondem.
“Mahamati, os seguidores dos outros caminhos ensinam tais proposições irrespondíveis como ‘A vida é idêntica ao corpo.’[426] Mahamati, isso ocorre porque esses seguidores dos outros caminhos estão perplexos pela causalidade. As proposições irrespondíveis não são o que eu ensino. O que ensino, Mahamati, é libertar-se do que apreende e do que é apreendido e não produzir projeções. Por que eu deveria ficar em silêncio?
“Entretanto, Mahamati, quando alguém está apegado ao que apreende ou o que é apreendido e não entende que esses não são nada além de percepções de suas próprias mentes, então fico em silêncio. Mahamati, os tatagatas, os arhats, os totalmente iluminados utilizam os quatro tipos de explicações para ensinar os outros. Mahamati, eu invariavelmente uso o silêncio com aqueles cujas raízes ainda não estão maduras, não com aqueles cujas raízes estão maduras.”[427]
XLVIII[428]
“Ademais, Mahamati, qualquer coisa que existe não é nem criada, nem surge a partir de causas. Não há criador. Por isso qualquer coisa que existe não surge. E por que, Mahamati, qualquer coisa que existe não tem auto-existência? Porque na luz da realização pessoal, nem as características individuais, nem as compartilhadas podem ser encontradas. Assim, digo que qualquer coisa que existe não surge.
“Mahamati, por que qualquer coisa que existe não pode ser agarrada ou solta? Se você tentar agarrar as suas características individuais ou compartilhadas, não há nada para agarrar. E se você tentar soltá-la, não há nada para soltar. Assim, qualquer coisa que existe não pode ser agarrada ou solta.
“Mahamati, por que qualquer coisa que existe não cessa de existir? Porque nenhuma característica da sua auto-existência existe, qualquer coisa que exista não pode ser encontrada. Assim, qualquer coisa que existe não cessa de existir.
“Mahamati, por que qualquer coisa que existe é impermanente? Porque uma vez que uma característica aparece, a sua impermanência existe.[429] É por isso que digo que qualquer coisa que existe é impermanente. E por que, Mahamati, qualquer coisa que existe é permanente? Porque uma vez que uma característica aparece, o seu não-surgimento existe.[430] E porque sua impermanência é permanente, eu digo que tudo é permanente.”[431]
O Buda então repetiu o significado disso em verso:[432]
- “Para refutar as visões dos outros caminhos / uso quatro tipos de explicações / uma resposta direta ou outra questão / análise ou silêncio
- Se a vida existe ou não / para aquilo que é melhor deixar em silêncio / os mestres Vaisheshika e Samkhya[433] / apresentam suas explicações
- Examinada pelo conhecimento correto / a auto-existência não pode ser encontrada / porque ela transcende as palavras / eu ensino a não auto-existência.”
XLIX[434]
Mahamati mais uma vez perguntou ao Buda, “Por favor nos fale sobre os srota-apannas e as diferentes características comuns ao caminho srota-apanna para que ao tornarmo-nos versados em tais características e ao conhecermos como diferenciar as práticas dos sakrid-agamins, an-agamins e arhats, nós bodisatvas poderemos assim explicar o Darma aos outros, especificamente, os dois tipos de não-ego e a eliminação das duas obstruções.[435] E conforme nós passamos através dos vários estágios até que finalmente alcançamos o reino inconcebível e último dos tatagatas, nós podemos beneficiar todos os seres como gemas multicoloridas que realizam desejos, protegê-los e nutri-los com os corpos infinitos e a riqueza do reino de todos os darmas.”
O Buda disse a Mahamati, “Ouça cuidadosamente e pondere isso bem, vou lhes dizer.”
Mahamati replicou, “Maravilhoso, Bhagavan. Que nós sejamos assim abençoados.”
O Buda disse a Mahamati, “Existem três diferentes níveis de srota-apannas e realizações dos srota-apannas.[436] E quais são esses três? São eles os níveis básico, intermediário e avançado. Aqueles no nível básico renascem sete vezes mais no máximo. Aqueles no nível intermediário renascem de três a cinco vezes mais antes de alcançarem o nirvana. E aqueles no nível avançado alcançam o nirvana nessa vida.
“Para cada um desses três, existem três sujeições: a grosseira, a intermediária e a sutil. E quais são as três sujeições? Elas são a crença em um corpo, a dúvida e o apego aos códigos.[437] Em termos das diferenças entre essas três sujeições, qualquer pessoa que alcançar a mais sutil do nível avançado tornar-se-á um arhat.
“Mahamati, existem dois tipos de crenças em um corpo: aquela que é inata[438] e aquela que é uma projeção, tais como as projeções de uma realidade dependente ou imaginada.[439] Por exemplo, os diferentes apegos a uma realidade imaginada surgem em dependência de uma realidade dependente. Elas nem existem, nem não existem. E elas nem existem, nem não existem e não são reais porque elas são projeções. As projeções das pessoas tolas são apegadas de diferentes maneiras a uma realidade imaginada, assim como os cervos sedentos imaginam água quando veem uma miragem cintilante. Essa é a visão do corpo imaginada pelos srota-apannas, que pensam que porque as pessoas não têm ego, ao apreenderem a sua não-existência, elas colocam assim um fim em seus apegos à ignorância sem início.[440]
“Mahamati, em relação à crença inata dos srota-appannas em um corpo, seja deles próprios ou de outros, por causa dos quatro skandhas sem forma juntamente com a forma – que surgem da matéria e o que é feito da matéria – interagem como causa um do outro e porque os elementos materiais e a forma não combinam, quando os srota-apannas contemplam a não-aparência do que existe ou não existe,[441] a crença deles em um corpo chega a um fim. E uma vez que a crença deles em um corpo termina, os seus desejos não surgem mais. É isso o que caracteriza a crença de um srota-apanna em um corpo.
“Mahamati, em relação ao que caracteriza a dúvida[442] deles, porque eles tornaram-se peritos em ver as características dos darmas, e eles anteriormente colocaram um fim às projeções dos dois tipos de crença em um corpo, eles não produzem dúvidas em relação aos darmas, nem produzem visões quanto à pureza ou impureza dos outros professores. É isso o que caracteriza a eliminação da dúvida de um srota-apanna.
“Mahamati, em relação ao apego deles aos códigos, como que os srota-apannas cessam seus apegos aos códigos? Quando tornam-se peritos em ver o sofrimento onde eles podem renascer, eles cessam seus apegos. O apego, Mahamati, refere-se a como os seres tolos resolvem realizar práticas ascéticas para alcançarem uma bem-aventurança maior. Portanto, eles buscam renascer. Mas quando não estão apegados e se voltam, em vez disso, para a realização dessas práticas e a defender aqueles preceitos que são livres da projeção e da paixão e que conduzem ao reino inigualável da realização pessoal, é isso o que caracteriza a eliminação do apego aos códigos de um srota-apanna.
“Porque os srota-apannas cortam essas três sujeições, o desejo e a delusão não surgem. Entretanto, se os srota-apannas pensam ‘Essas sujeições não são minhas,’ eles errarão de duas formas. Eles terminarão acreditando em um corpo e eles não cortarão essas sujeições.”
Mahamati perguntou ao Buda, “Bhagavan, o Bhagavan fala de muitos desejos. Quais desejos eles abandonam?”
O Buda disse a Mahamati, “Eles não produzem tipos diferentes de comportamento envolvendo o amor ou o desejo de abraçar as mulheres ou as transgressões envolvendo a boca ou o corpo que dão prazer no presente, mas que garantem sofrimento futuro. E como eles fazem isso? Alcançando a bem-aventurança do samádi. Assim eles abandonam os desejos, mas não o desejo pelo nirvana.
“Mahamati, o que caracteriza os sakrid-agamins?[443] No momento que eles veem as formas, eles produzem projeções, mas não visões sobre elas. Mas porque eles são peritos na contemplação de formas durante a meditação, no momento que retornam a esse mundo, o período de sofrimento deles termina, e eles alcançam o nirvana. É isso o que constitui um sakrid-agamin.
“Mahamati, e os an-agamins?[444] Isso refere-se àqueles que produzem visões de calamidade em relação a existência ou não-existência das formas passadas, presentes e futuras. Porque eles impedem que as projeções surjam, e porque cortam as sujeições, eles são chamados an-agamins.[445]
“Mahamati, em relação aos arhats,[446] isso refere-se àqueles que as projeções de meditações, samádis ou liberações, poderes superiores ou maestrias, aflições ou sofrimentos não existem.[447] Por isso eles são chamados arhats.”
Mahamati perguntou ao Buda, “O Bhagavan disse que existem três tipos de arhats. A qual tipo ele está se referindo aqui? Àqueles que alcançam o caminho único da tranquilidade, àqueles que aparecem como arhats, mas que realizam práticas de bodisatvas, ou àqueles que são projeções de budas de aparição?”
O Buda disse a Mahamati, “Àqueles shravakas que alcançam o caminho único da tranquilidade e não aos outros – ‘os outros’ referindo-se àqueles que praticam as práticas do bodisatva e àqueles que são projeções de budas de aparição. Como um resultado de seus votos e meios hábeis, eles renascem nas grandes assembleias, onde acrescentam à glória dos séquitos dos budas.
“Mahamati, eles lecionam diferentes ensinamentos a respeito da realização e da meditação dependendo das projeções de cada lugar. Mas porque eles evitam os objetos da meditação e aquele que medita, eles apontam, em vez disso, para as características da realização como nada além das percepções da própria mente de alguém. É isso o que eles chamam de realização.
“Ademais, Mahamati, para ultrapassar os reinos ilimitados e sem formas da meditação,[448] você deve evitar as características que não são nada além de percepções de sua própria mente. E não é verdade, Mahamati, que mesmo o samádi envolvendo a cessação[449] da sensação e da percepção[450] seja outra coisa além da percepção da sua própria mente. Como assim? Porque ele não é nada além da mente.”
O Buda então repetiu o significado disso em verso:
- “As quatro meditações ilimitadas / os samádis sem forma / a cessação da sensação e da percepção / nada existe exceto a mente
- As realizações dos srota-apannas / dos sakrid-agamins e an-agamins / também as dos arhats / todas são confusões da mente[451]
- Meditação, meditador e objeto da meditação / renúncia e contemplação da verdade / essas não são nada exceto projeções / quem sabe disso alcança a liberação.”
“Ademais, Mahamati, existem dois tipos de saber:[453] saber que examina e saber que é baseado no apego às características da projeção.[454] Mahamati, o saber que examina foca nas características da auto-existência de qualquer coisa que existe e conclui que ela está além das quatro possibilidades e não é apreensível. Isso é o que se entende por saber que examina.
“Em relação às quatro possibilidades, Mahamati, isso significa estar além do alcance da igualdade, diferença, ambas ou nenhuma, existência, não-existência ou nem existência, nem não-existência, permanência ou impermanência. Existem quatro possibilidades.[455] Mahamati, tudo que existe está além do alcance dessas quatro possibilidades. E você deve praticar examinando tudo, Mahamati, de acordo com elas.
“Mahamati, o que é o saber que é baseado no apego às características da projeção? Apego às características da projeção refere-se ao apego às projeções errôneas de solidez, umidade, calor e movimento como caracterizando os quatro elementos e apegos à proposição, razão, características e exemplo[456] como a fundação sobre a qual tais falsidades estão baseadas. Isso é o que se entende por saber que é baseado no apego às características da projeção.
“É isso o que caracteriza os dois tipos de saber. Ao dominar o que caracteriza esses dois tipos de saber, os bodisatvas finalmente entendem a ausência de um ego entre as pessoas e as coisas e entendem os meios pelos quais usam o seu saber sem projeção para examinar os estágios da prática. Conforme eles alcançam o estágio inicial, eles entram em centenas de samádis. E em alguns desses samádis eles veem centenas de budas, bodisatvas e eventos, centenas de kalpas no passado e futuro. E na luz de centenas de reinos búdicos eles familiarizam-se com as características dos estágios superiores. E pela virtude de seus votos inigualáveis e suas maestrias e poderes superiores, eles alcançam a realização pessoal do estágio do tatagata onde suas frontes são ungidas entre as nuvens do darma.[457] E com suas mentes bem focadas nos dez votos inexauríveis,[458] eles trazem outros à perfeição e manifestam a si mesmos em uma variedade refulgente de formas enquanto deleitam-se na bem-aventurança do samádi e da realização pessoal do conhecimento búdico.[459]
LI[460]
“Ademais, Mahamati, os bodisatvas devem tornar-se versados nos quatro elementos e suas formas elementais.[461] E como os bodisatvas devem tornar-se versados nos quatro elementos e suas formas elementais? Mahamati, os bodisatvas devem saber isso: que na realidade os quatro elementos não surgem. Eles devem examinar o não-surgimento dos quatro elementos. Uma vez que fizerem isso, eles saberão que a distinção de nomes, aparências e projeções[462] é a distinção das percepções de suas próprias mentes e que a sua existência externa não existe. Isso é o que se entende por distinguir as projeções como percepções da mente. Isso significa ver que os três reinos são desprovidos da existência dos quatro elementos e suas formas elementais, que são completamente desprovidos das quatro possibilidades e que incluem o não ego ou qualquer coisa que pertença a um ego, e focar, em vez disso, nas características essenciais da realidade, cuja característica essencial consiste do não-surgimento.
“Mahamati, como os quatro elementos produzem as formas elementais? O elemento distinguido como umidade produz os reinos internos e externos da água. O elemento distinguido como energia produz os reinos internos e externos do fogo. O elemento distinguido como movimento produz os reinos internos e externos do vento. E o elemento distinguido como forma divisível produz os reinos internos e externos da terra – e com a forma vem o espaço. De acordo com aqueles que apegam-se às verdades errôneas, são os quatro elementos e suas formas elementais que produzem o agrupamento dos cinco skandhas.
“Mahamati, a consciência[463] continua em outra existência por causa do encanto por reinos diferentes. Em relação à terra e os outros elementos e suas formas elementais, Mahamati, os quatro elementos servem como suas condições,[464] e os quatro elementos não servem como suas condições. Como assim? Os elementos não surgem a menos que a natureza, a forma, a localização e a função existam.[465] Mas mesmo se eles surgirem junto com a natureza, forma, localização e função, Mahamati, eles não fazem isso com relação ao que é sem forma.[466] Portanto, os quatro elementos e suas formas elementais são projeções dos outros caminhos e não do meu.
LII[467]
“Ademais, Mahamati, explicarei agora o que caracteriza a auto-existência dos skandhas. Por ‘o que caracteriza a auto-existência dos skandhas,’ quero dizer dos cinco skandhas. E quais cinco, quero dizer, forma, sensação, percepção, memória e consciência, quatro dos quais são sem forma, ou seja, sensação, percepção, memória e consciência.
“Mahamati, por ‘forma’ refiro-me às diferentes características de cada um dos quatro elementos e suas formas elementais. Mas não é verdade, Mahamati, que os sem formas sejam realmente quatro em número. Eles são como o céu. Assim como o céu é desprovido de números ou das características dos números, é apenas devido à projeção que nós falamos de um céu. Mahamati, da mesma maneira os skandhas são desprovidos de números ou das características dos números e assim desprovidos de existência ou não-existência e desprovidos das quatro possibilidades. Os seres tolos falam em termos de números, não o sábio.
“Mahamati, para o sábio, as formas são ilusórias. Elas são designações que não são nem separadas, nem não separadas, assim como um sonho ou uma sombra não é nem separada, nem não separada do corpo de uma pessoa. Mahamati, o reino do conhecimento búdico parece o mesmo que as projeções dos skandhas. É isso o que se entende por aquilo que caracteriza a auto-existência dos skandhas.[468] Você deve livrar-se das projeções.[469] E uma vez que o faça, proclame o ensinamento do desapego[470] e em toda terra búdica coloque um fim às visões das outras escolas. Pois uma vez que você proclamar o desapego, Mahamati, você será libertado da visão do não ego entre os darmas e alcançará o estágio inabalável.[471] E uma vez que você alcançar o estágio inabalável, você ganhará uma maestria em incontáveis samádis e corpos de projeção.[472] E conforme você se torna totalmente versado no Samádi do Ilusório, você usará os seus poderes superiores, discernimentos e maestrias para ajudar e proteger todos os seres. Pois assim como a terra suporta tudo o que vive, assim também os bodisatvas ajudam os seres em todos os lugares.
LIII[473]
“Ademais, Mahamati, de acordo com os seguidores dos outros caminhos, existem quatro tipos de nirvana. E quais são os quatro? Eles incluem o nirvana no qual a auto-existência do que existe não existe, o nirvana no qual a existência das características não existe, o nirvana no qual a consciência das características próprias e a auto-existência não existem, e o nirvana no qual a continuidade das características individuais e compartilhadas dos skandhas terminam.[474] É isso o que se entende pelos quatro tipos de nirvana ensinados pelos seguidores dos outros caminhos. Eles não são o que eu ensino. O que ensino, Mahamati, é que o nirvana é a cessação da consciência que projeta.”[475]
Mahamati perguntou ao Buda, “Mas o Bhagavan não apresenta oito formas de consciência?”
O Buda respondeu, “Sim, apresento.”
Mahamati perguntou de novo, “Se assim o é, por que o Bhagavan fala de livrar-se da consciência conceitual[476] e não da sétima forma da consciência?”[477]
O Buda replicou, “Porque, Mahamati, ela é a causa e a condição de suporte através da qual a sétima forma de consciência não surge.[478] E é a divisão e o apego da consciência conceitual em relação aos reinos externos que produz a energia-hábito que nutre a consciência repositório.[479] E é a Vontade,[480] junto com seu apego a um ego e o que pertence a um ego e seu reflexo nas causas e condições que produzem as características de um corpo indestrutível.[481] E é o apego a um mundo externo que é uma percepção da própria mente de alguém que é a causa e a condição suporte da consciência repositório. Assim, esse sistema de consciência[482] surge através da causação mútua. É como o oceano e suas ondas, que surgem ou cessam conforme o vento da externalidade, que é a percepção da própria mente de alguém, sopra. Logo, quando a consciência conceitual cessa, a sétima forma de consciência também cessa.”
O Buda então repetiu o significado disso em verso:
- “O meu não é um nirvana que existe / um nirvana criado ou um com atributos / a consciência que projeta o que conhecemos / a cessação disso é o meu nirvana
- Essa é a causa e a condição suporte / através das quais os pensamentos criam o corpo / nisso a mente se baseia / disso depende a consciência[483]
- Quando o grande rio deixa de fluir / as ondas não se agitam mais / quando a consciência conceitual cessa / as outras formas não surgem.”
LIV[484]
“Ademais, Mahamati, explicarei agora as diferentes características comuns da realidade imaginada.[485] Ao tornarem-se versados em distinguir as diferentes características comuns da realidade imaginada, você e os outros bodisatvas serão capazes de libertarem-se das projeções e alcançarem a realização pessoal do conhecimento búdico e um discernimento em relação aos caminhos dos outros praticantes. Vocês também entenderão como colocar um fim às projeções de apreensão e do que é apreendido e não mais projetar uma realidade imaginada sobre as várias características da realidade dependente.
“Mahamati, quais são as diferentes características comuns à realidade imaginada? Elas incluem a projeção das palavras, a projeção dos objetos das palavras, a projeção das características, a projeção das causas, a projeção das visões, a projeção do raciocínio, a projeção do surgimento, a projeção do não-surgimento, a projeção da continuidade e a projeção da sujeição e emancipação. Essas são características diferentes da realidade imaginada.[486]
“Mahamati, o que é a projeção das palavras? Isso refere-se ao apego ao prazer dos vários sons dos belos discursos e músicas. É isso o que significa projeção de palavras.
“Mahamati, o que é a projeção dos objetos das palavras? Isso refere-se a como a projeção de palavras surge em dependência da auto-existência dos objetos das palavras e do que é realizado pelo conhecimento búdico.[487] É isso o que significa a projeção dos objetos das palavras.
“Mahamati, o que é a projeção das características? Isso refere-se à projeção da existência de características tais como solidez, umidade, calor e movimento[488] nos objetos das palavras os quais alguém é apegado como a uma miragem. É isso o que significa a projeção das características.
“Mahamati, o que é a projeção de valor? Isso refere-se ao deleite em coisas preciosas tais como ouro, prata e pedras preciosas. É isso o que significa a projeção de valor.
“Mahamati, o que é a projeção da auto-existência? Isso refere-se às projeções errôneas da auto-existência de algo como sendo desse jeito e não como nenhuma outra coisa. É isso o que significa a projeção da auto-existência.
“Mahamati, o que é a projeção das causas? Isso refere-se à aparição das características da causação baseada na projeção da existência ou não-existência das causas e condições. É isso o que significa a projeção das causas.
“Mahamati, o que é a projeção das visões? Isso refere-se à projeção das visões errôneas da existência ou não-existência, ou da igualdade ou diferença ou ambas ou nenhuma, que os seguidores dos outros caminhos imaginam e apegam-se. É isso o que significa a projeção das visões.
“Mahamati, o que é projeção do raciocínio? Isso refere-se aos argumentos cuja lógica e conclusões envolvem concepções de um ego ou o que pertence a um ego. É isso o que significa projeção do raciocínio.
“Mahamati, o que é projeção do surgimento? Isso refere-se ao apego ao surgimento de algo existindo ou não as causas. É isso o que significa projeção de surgimento.
“Mahamati, o que é projeção do não-surgimento? Isso refere-se ao não-surgimento de qualquer coisa que exista devido ao não-funcionamento da causação e o surgimento de entidades que não têm causa.[489] É isso o que significa a projeção do não-surgimento.
“Mahamati, o que é a projeção da continuidade? Isso refere-se a algo que continua entre uma coisa e outra, como uma corrente de ouro.[490] É isso o que significa a projeção da continuidade.[491]
“Mahamati, o que é a projeção da sujeição e emancipação? Isso refere-se ao apego às causas e condições que vinculam ou desvinculam, como quando uma pessoa tenta amarrar ou desamarrar alguma coisa. É isso o que significa a projeção da sujeição e emancipação.[492]
“Essas são as diferentes características comuns à realidade imaginada as quais todos os seres tolos estão apegados como existentes ou não existentes.
“Mahamati, o que aqueles apegados à realidade dependente estão apegados é à auto-existência das projeções dos objetos os quais eles estão apegados. Embora eles apareçam como muitas entidades ilusórias, os seres tolos os imaginam como diferentes das ilusões. Mahamati, as ilusões e os objetos não estão nem separados, nem não separados. Se eles estivessem separados, as ilusões não seriam a causa dos objetos. Se eles não estivessem separados, as ilusões e os objetos seriam indistinguíveis. Mas eles são distinguíveis. Por isso, eles não estão nem separados, nem não separados. Portanto, Mahamati, você e os outros bodisatvas não devem se apegar se as ilusões da realidade dependente e imaginada são separadas ou não ou se elas existem ou não.”[493]
LV[494]
O Buda então repetiu o significado disso em verso:
- “Quando a mente está atada aos reinos externos / o conhecimento está sujeito à especulação / onde a liberdade das projeções predomina / a sabedoria imparcial surge
- O que existe na realidade imaginada / na realidade dependente não existe / a realidade imaginada é o que é apreendido / a realidade dependente não é imaginada
- Onde surge uma miríade de distinções / como ilusões elas não são reais / onde as características multiplicam-se / porque são projeções elas não são perfeitas
- As características são erros / surgindo de uma mente em sujeição / projeções do que não é conhecido / baseadas na realidade dependente[495]
- O que existe na realidade imaginada / é simplesmente a realidade dependente / projeções de todos os tipos / baseadas na realidade dependente
- Existe a verdade convencional e a verdade última / e uma terceira que nega a causação[496] / as projeções referem-se à verdade convencional / a cessação delas é o reino dos sábios
- Como alguém que contempla / que percebe uma multidão em um / onde nenhuma multidão existe / a isso assemelham-se as projeções
- Como alguém com catarata / que imagina diferentes formas / que nem são, nem não são cataratas / a realidade dependente é assim equivocada
- Como o ouro que foi refinado / livre de escórias e impurezas / o céu sem uma nuvem / a realidade imaginada purificada[497]
- A realidade imaginada não existe / a realidade dependente sim / asserções e negações / pelas projeções são desfeitas
- Se a realidade imaginada não existe / e a realidade dependente sim / se uma não existe e a outra sim / do que não existe surge o que existe[498]
- Assim é a realidade dependente / baseada na projeção / de onde seguem-se nome e aparência / produzindo mais projeções
- Embora permaneçam imperfeitas / uma vez que você supera todas as projeções / o conhecimento é assim purificado / essa é a verdade última
- As projeções são doze em número[499] / a realidade dependente é sêxtupla[500] / o conhecimento que se conhece a si próprio / não inclui uma distinção
- A verdade inclui os cinco darmas / a realidade tem três modos / os praticantes que distinguem esses / não os separam da talidade[501]
- A realidade dependente e as aparências / a realidade imaginada e os nomes / das características da projeção / a realidade dependente surge[502]
- Na luz radiante da sabedoria / a realidade dependente e a imaginada desaparecem / nem a realidade perfeita existe / então como algo seria distinguido[503]
- Porque suas naturezas são distintas / as duas realidades são estabelecidas / onde uma miríade de projeções aparece / encontra-se o reino do conhecimento búdico puro
- A realidade imaginada é como uma pintura / projetando a realidade dependente / algo diferente de uma projeção / essa é a visão das outras escolas[504]
- O que é projetado pela projeção / eles veem surgir das causas / além da dualidade da projeção[505] / é onde ocorre a perfeição.”
LVI[506]
Mahamati mais uma vez perguntou ao Buda, “Bhagavan, por favor nos diga o que caracteriza a realização pessoal do conhecimento búdico e o caminho único para que[507] ao tornarmo-nos versados no que caracteriza a realização pessoal do conhecimento búdico e no caminho único, eu e os outros bodisatvas não precisemos depender de mais nada para entendermos o ensinamento dos budas.”
O Buda disse a Mahamati, “Ouça cuidadosamente e pondere isso bem, vou agora instruí-los.”
Mahamati respondeu, “Que assim seja, Bhagavan,” e lhe deu toda a sua atenção.
O Buda disse, “O ensinamento conhecido e transmitido pelos sábios do passado é que as projeções não existem e que os bodisatvas devem habitar sozinhos em um lugar quieto e examinarem suas próprias consciências. Não dependendo de mais nada e evitando as visões e projeções eles avançam constantemente até o estágio do tatagata. É isso o que caracteriza a realização pessoal do conhecimento búdico.
“Mahamati, o que caracteriza o caminho único? Quando falo do caminho único, quero dizer o caminho único para a realização. E o que quer dizer o caminho da realização? As projeções, tais como as projeções do que apreende e o que é apreendido, não surgem na talidade. É isso o que quer dizer o caminho único para a realização. Mahamati, o caminho único para a realização está além do alcance dos seguidores dos outros caminhos, ou dos shravakas, dos pratyeka-budas ou até mesmo Brahma,[508] mas não dos tatagatas. É por isso que falo de caminho único.”
Mahamati perguntou ao Buda, “Bhagavan, por que então você ensina três caminhos e não ensina um caminho?”
O Buda disse a Mahamati, “Porque nem os shravakas, nem os pratyeka-budas entram no nirvana por si mesmos, eu não lhes ensino o caminho único.[509] Porque os shravakas e os pratyeka-budas alcançam a liberação através do treinamento no desapego pelos tatagatas e não através de seus próprios poderes, não lhes ensino o caminho único. Também, Mahamati, não ensino o caminho único para os shravakas e os pratyeka-budas porque eles ainda não colocaram um fim na energia-hábito do carma ou na obstrução da paixão.[510] Porque eles não estão conscientes que os darmas não têm ego, e não estão livres das mortes cármicas,[511] ensino-lhes três caminhos.[512]
“Mahamati, uma vez que colocarem um fim em toda a energia-hábito que produz a paixão e compreenderem que os darmas não têm ego, colocando um fim a energia-hábito que produz a paixão, em seus reinos sem aflição[513] eles acordarão para a não-existência dos samádis que eles têm estado viciados. E uma vez que acordarem, eles entrarão nos reinos transcendentes mais altos e livres de aflição onde obterão um corpo do darma completo, inconcebível e invencível com todas as virtudes.”
O Buda então repetiu o significado disso em verso:
- “Um caminho para os deuses e Brahma / um para os shravakas e pratyeka-budas / outro para os tatagatas / esses são os caminhos que ensino[514]
- Enquanto a mente continuar girando / esses caminhos nunca terminam / quando a mente finalmente cessa / não há caminho ou alguém que caminha nele
- O caminho que não é feito / esse é meu caminho único / para atrair e guiar todos os seres / ensino caminhos diferentes
- Os três tipos de liberação[515] / assim como os darmas não têm ego / quando a paixão e o conhecimento são os mesmos[516] / a liberação é transcendida
- Assim como troncos flutuantes no mar / rolando para sempre com as ondas / assim são os tolos shravakas / à mercê do vento das características
- Embora eles evitem que as paixões surjam / a força de suas energias permanece[517] / viciados na bem-aventurança do samádi / eles habitam nos reinos livres de aflições
- Porém não tendo objetivo final / e não tendo local onde refugiar-se / em seus corpos nascidos do samádi / eles passam através dos kalpas inconscientes
- Como alguém embriagado / que acorda quando o vinho exauri / seu despertar é o mesmo / e seu corpo de buda também.”
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