CAPÍTULO UM:[1]
O PEDIDO DO REI RAVANA[2]
Assim ouvi:[3] Certa vez o Bhagavan estava nos Mares do Sul, nos picos de Lanka[4] em um local adornado por incontáveis joias e flores. Além de uma assembleia de grandes monges, também acompanhavam-no uma miríade de bodisatvas de outras terras búdicas. Liderados pelo Bodisatva Mahamati Mahasattva,[5] eles eram mestres em todos os tipos de samádi, poder espiritual e habilidade psíquica e eram os recipientes das bênçãos de incontáveis budas. Hábeis no conhecimento que os objetos externos são percepções da própria mente de alguém,[6] eles abriram as portas da liberação para os seres de todas as capacidades mentais e físicas e eram totalmente versados nos cinco darmas, os modos da realidade, as formas da consciência, e os dois tipos de não-sujeito.[7]
Naquele momento,[8] o Bhagavan havia exposto o Darma por sete dias no palácio de Sagara, o Rei Serpente.[9] Ao reaparecer ele foi recepcionado por Shakra e Brama[10] e uma multidão de damas serpentes. Levantando os seus olhos e contemplando o Monte Malaya[11] de Lanka, ele sorriu e disse, “No Monte Malaya de Lanka, os tatagatas, os arhats, os totalmente iluminados do passado ensinaram a autorrealização do conhecimento búdico,[12] que está além da compreensão dos shravakas e pratyeka-budas[13] ou do conhecimento errôneo dos seguidores dos outros caminhos. Hoje, em consideração a Ravana, governante dos yakshas,[14] também lecionarei esse ensinamento.
Pelo poder do Tatagata, o Rei Ravana ouviu essas palavras do Buda e sabia que o Bhagavan havia reaparecido do palácio do Rei Serpente acompanhado por Shakra e Brama e incontáveis damas serpentes. E ele viu os pensamentos daqueles na assembleia, agitados pelo vento da externalidade e elevando-se como muitas ondas no oceano da consciência repositório deles.[15] Ravana gritou alegremente, “Irei e convidarei o Bhagavan a Lanka para a felicidade última e o bem estar dos humanos e dos devas!”
O Rei Ravana então montou em sua charrete adornada de flores e com seu séquito real foi ver o Buda. Ao chegar, todos apearam e andaram em torno do Bhagavan três vezes da esquerda para a direita.[16] Enquanto isso, os músicos do rei dedilharam alaúdes incrustrados com águas-marinhas[17] usando palhetas da mais azul safira. Então pendurando-os de lado com tiras do tecido mais caro, eles cantaram gathas[18] em louvor ao Buda de acordo com os modos grama e murchana[19] e no estilo melódico kaishika[20], acompanhados por um coro de flautas:
- “Ao tesouro do Darma da mente autoexistente / livre da corrupção ou crença em um ego / que o Buda ensine-nos o caminho / ao conhecimento encontrado dentro de nós mesmos
- Em seu corpo de mérito perfeito / exibindo o transformado e transformando / a alegria da autorrealização / que o Buda venha a Lanka hoje
- Os Budas do passado apareceram em Lanka / acompanhados pelos bodisatvas de incontáveis formas / por favor honre-nos com o inigualável Darma / todos os yakshas esperam ouvir.”
Ravana, rei dos yakshas, então cantou gathas no metro totaka:[21]
- “Depois de sete noites o Buda ascendeu / do mar onde os leviatãs habitam / do palácio do Rei Serpente, Sagara / alegremente ele veio a essa costa
- E agora que o Buda ascendeu / Vim com minha rainha apsara[22] / com Shuka e Sarana[23] / com yakshas e homens cultos
- Transportados perante o Buda por uma força invisível / apeamos de nossos carros floridos e curvamo-nos / apresentamos nossos nomes e oferendas / e esperamos pela benção do Bhagavan
- Sou Ravana que chega diante de ti / o rei de dez cabeça dos yakshas / que o Buda favoreça essa minha Lanka / e todos que habitam seus povoados
- Os Budas do passado dentro de suas cidades / sobre seus picos repletos de joias / falaram do que eles próprios alcançaram / o reino da autorrealização[24]
- Que o Bhagavan também faça isso / juntamente com esses filhos dos vitoriosos[25] / os residentes de Lanka e eu ouviríamos / o seu ensinamento do mais puro Darma
- Ao Lankavatara louvado pelos budas passados / ao que eles próprios alcançaram / o reino da autorrealização / desconhecido entre as outras escolas
- Relembro-me das épocas passadas / os budas acompanhados pelos filhos dos vitoriosos / recitaram esse sutra em voz alta / que o Bhagavan faça isso hoje
- Os Budas no futuro e os filhos dos vitoriosos / eles também terão pena dessa assembleia de yakshas / eles também ascenderão esse pico adornado de joias / e ensinarão esse o mais profundo dos ensinamentos
- A cidade de Lanka é fascinante / adornada com todas as joias conhecidas / cercada por frescos picos aprazíveis / e sombreada por toldos de pérolas
- Os yakshas hoje presentes, Bhagavan / transcenderam o desejo e a raiva / eles honraram os budas e olharam para dentro / e instaram uns aos outros para voltarem-se ao Mahayana
- Os garotos e garotas yakshas também / sedentos para ouvir o Mahayana / para a cidade de Lanka no Monte Malaya / Bhagavan, venha ser nosso professor
- Kumbhakarna e seus rakshasas[26] / eles também habitam nessa cidade / devotos do Mahayana / eles também aprenderão sobre a autorrealização
- Tendo honrado os budas com devoção no passado / eles esperam fazer isso de novo / por compaixão, por favor venha / venha com esses filhos dos vitoriosos para Lanka
- Mahamuni,[27] aceite meu palácio / juntamente com suas anfitriãs apsaras / minha coroa e colares também / e meus encantadores bosques de ashoka[28]
- Tudo o que possuo eu dou ao Buda / e a esses filhos dos vitoriosos / não há nada que eu não daria / Mahamuni, tenha compaixão de mim.”
- A isso, o Senhor dos Três Reinos replicou,[29] / “Governante dos Yakshas / a esse pico de joias / os professores do passado vieram
- Por compaixão a você eles ensinaram / o caminho da autorrealização / e nesse pico adornado de joias / assim eles devem ensinar no futuro
- Pois aqui é o lugar onde os praticantes habitam[30] / os que se deleitam no que é presente[31] / Rei dos Yakshas, você conheceu / a compaixão dos sugatas e agora deve conhecer a minha.”[32]
- Aceitando esse convite / o Bhagavan ficou em pé sem falar / Ravana então ofereceu sua charrete de flores / na qual o Buda montou e viajou dentro.
- Com seu séquito Ravana seguiu / junto com os bodisatvas / conforme o Buda avançava em direção à cidade / as apsaras cantavam e dançavam em sua honra
- Uma vez que o Buda passou através de seus portões / curvou-se em reverência a multidão yaksha / acompanhados por Ravana e os homens yaksha / e também as mulheres yaksha
- Um grupo de meninos e meninas yakshas / presentearam o Bhagavan com uma rede de pérolas / enquanto Ravana colocava colares de joias / em torno dos pescoços do Vitorioso e dos filhos do Vitorioso
- Conforme o Buda e os sábios bodisatvas / agradeciam essas ofertas de joias / cada um, por sua vez, falou em louvor / ao reino insondável da autorrealização
- Então Ravana e a multidão yaksha / tendo honrado o melhor dos professores / pediram e imploraram a Mahamati / que era conhecido por solicitar o Darma
- “Você perguntou ao Buda antes / sobre o reino da autorrealização / nós yakshas e bodisatvas presentes / viemos perante a você com esse pedido
- Você é o mais eloquente orador / também um devotado praticante / assim nós sinceramente imploramos para que o Mestre / peça ao Buda por esse ensinamento
- Livre das faltas dos outros caminhos / dos pratyeka-budas e shravakas / o ensinamento imaculado realizado internamente / o ensinamento que leva à budidade.”
- O Buda a seguir conjurou montanhas / picos cobertos de joias / todos os tipos de cenários belos / adornados com incontáveis joias
- E em cada pico coberto de joia / o Buda também podia ser visto / e ao seu lado / Ravana o yaksha apareceu
- Também a assembleia inteira / era visível em todo pico / e em toda terra / outro buda estava presente
- E junto com o rei de Lanka / os seus residentes apareceram também / dentro de suas cidades conjuradas / olhando um para o outro
- Outras coisas também apareceram / os produtos do poder do Buda / bosques de ashoka e florestas ensolaradas / e nada de qualquer maneira diferente
- E Mahamati em todos os picos / pedia em nome do rei yaksha / pelo ensinamento da autorrealização / que os budas falaram em incontáveis vozes
- E depois que eles falaram[33] / aqueles budas e bodisatvas desapareceram / apenas Ravana o yaksha permaneceu / dentro de seu palácio
- Ele perguntou-se o que realmente aconteceu / quem falou agora e quem ouviu / quem viu e o que foi visto / e para onde foram aquelas cidades e budas:
- “Para onde foram aquelas cidades / aqueles budas radiantes, aqueles sugatas / eram um sonho ou uma ilusão / ou eram obras dos gandharvas[34]
- Eles eram resultados de olhos com cataratas / ou o que vi era uma miragem / um sonho de criança de uma mãe estéril / a fumaça e chamas de uma roda de fogo?
- Essa é a natureza das coisas / o reino de nada exceto a mente[35] / isso é algo que os tolos não sabem / perplexos pelas projeções falsas
- Não há vidente ou algo visto / nenhum falante ou algo falado / a aparição dos budas e também seus ensinamentos / são meramente o que imaginamos
- Aqueles que veem tais coisas como reais / eles não veem o Buda / nem aqueles que não imaginam nada / apenas aqueles que transformam sua existência.”[36]
Com isso, o Senhor de Lanka sentiu um despertar e uma transformação em sua consciência, conforme ele realizou que o que apareceu não era nada além das percepções de sua própria mente,[37] e ele encontrou-se em um reino livre de tais projeções. Devido a reserva de bom carma das vidas passadas, ele de repente ganhou um entendimento de todos os ensinamentos, a habilidade de ver as coisas como elas realmente são e não como os outros as veem, como examinar as coisas com sua própria sabedoria enquanto permanece livre das visões discursivas e todas as habilidades de um grande iogue[38] que não depende mais dos outros: isto é, como manifestar-se em várias formas auspiciosas, como ter maestria em todos os meios hábeis, como deleitar-se no desapego da auto-existência da mente, vontade e consciência conceitual,[39] como liberar-se das visões envolvendo as três continuidades,[40] como refutar os argumentos dos seguidores dos outros caminhos no que diz respeito à causação, como entender a budidade, a autorrealização e o tatagata-garbha,[41] e como viver com o conhecimento de um buda.
Então do céu e de dentro de si mesmo[42] ele ouviu uma voz dizendo, “Muito bem, Senhor de Lanka, muito bem. Os praticantes devem praticar como você praticou. Eles devem ver os tatagatas e os darmas como vocês os viu – qualquer outro caminho seria niilista. Eles devem examinar as coisas enquanto permanecem livres da mente, da vontade e da consciência conceitual. Eles devem olhar para dentro e não serem iludidos pelas aparências externas ou caírem presas das doutrinas, visões ou meditações dos shravakas, pratyeka-budas ou seguidores de outros caminhos. Eles não devem se deleitar em conversas vãs ou frívolas, ou apegar-se às visões dos Vedas,[43]ou a exercer poder sobre os outros, ou exagerar em meditações tais como as seis dhyanas.[44]
“Esse, Senhor de Lanka, é o entendimento de todos os grandes praticantes, que desse modo superam as doutrinas falsas e refutam as visões errôneas, que eliminam o apego a um ego e que fazem uso da mais sutil sabedoria para transformarem suas consciências.[45] Esse é o caminho Mahayana que conduz ao estágio alcançado pelos budas. Você deve devotar-se a tal entendimento.
“Senhor de Lanka, esse ensinamento tornar-se-á mais claro conforme você se torna hábil no cultivo do samádi e de samapatti.[46] Mas não se torne apegado aos reinos cultivados pelos praticantes menores e seguidores de outros caminhos ou considere os estados que eles imaginam como bem-aventurados. Os seguidores de outros caminhos apegam-se à crença em um ego e à visão que o mundo é real e que os elementos materiais, substâncias e tendências existem.[47] Ou eles insistem que a ignorância e a cadeia de causação são reais. Eles fazem distinções onde existe apenas a vacuidade. Perdidos nas projeções eles tornam-se cativos dos atores e ações de suas próprias mentes.
“Senhor de Lanka, esse ensinamento é o pináculo da compreensão Mahayana, pois ele permite que os praticantes alcancem a autorrealização e desfrutem de níveis mais altos de existência. Senhor de Lanka, através de tal compreensão uma pessoa remove as obstruções e acalma a miríade de ondas da consciência e não cai mais presa das visões e práticas dos outros caminhos. Senhor de Lanka, porque os seguidores dos outros caminhos apegam-se à sua crença em um ego, eles tornam-se perdidos em visões dualísticas em relação a natureza da consciência. Muito bem, Senhor de Lanka. Assim como você refletiu agora sobre o significado de ver os tatagatas, é assim que você deve ver o Buda.”
Ravana então pensou consigo mesmo,[48] “Desejo poder ver o Bhagavan de novo. Pois o Bhagavan é o mestre de todas essas formas de yoga que fazem surgir uma realização interior livre do fabricador ou da fabricação e além do entendimento dos seguidores dos outros caminhos. Dele é o conhecimento realizado pelos iogues, e dele é a experiência da bem-aventurança do samádi, a grande bem-aventurança alcançada apenas pela meditação.
“Desejo, através de seus poderes miraculosos, poder ver o Compassivo novamente, aquele cujo combustíveis da paixão e da projeção foram queimados, aquele que é cercado pelos filhos dos budas que é capaz de penetrar os pensamentos de todos os seres e viajar para todos os lugares e conhecer todos os darmas sem mostrar qualquer sinal de esforço. Desejo poder vê-lo para que eu possa alcançar o que ainda não alcancei e não abdicar do que já alcancei e que eu possa avançar para aquele reino marcado pela ausência de projeção e a grande bem-aventurança do samádi onde os tatagatas habitam.”
Sabendo que o Senhor de Lanka já havia alcançado o autocontrole do não-surgimento,[49] por compaixão ao rei de dez cabeças, o Bhagavan mais uma vez apareceu no pico adornado de joias e coberto de pérolas. E o Senhor de Lanka mais uma vez contemplou todas os cenários gloriosos que apareceram previamente nos picos, incluindo os budas, os arhats e os totalmente iluminados com seus trinta e dois atributos inspiradores,[50] e com ele próprio e Mahamati na frente deles em cada um dos picos enquanto os budas discursavam sobre a realização interior experienciada pelos tatagatas, enquanto os yakshas que os cercavam discutiam a linguagem utilizada para expressar esse ensinamento. Tudo isso foi testemunhado pelo Rei.
O Bhagavan, também, viu todos aqueles reunidos ali, mas com sua consciência interior, não seu olho físico. Como um leão bocejando, ele deu um grande sorriso. E ele emitiu raios de luz do ponto entre suas sobrancelhas, dos seus lados e seus punhos, da swastika[51] em seu peito, e de cada fio de cabelo e poro, uma radiância abrasadora que assemelhava-se a uma conflagração destruidora do mundo, arcos-íris no céu, ou o sol na aurora.[52] De longe, Shakra e Brama e os Quatro Guardiões[53] observavam o Bhagavan sentado e sorrindo no pico de Lanka, como se fosse o Monte Sumeru.[54] Junto com os bodisatvas na assembleia, todos eles perguntaram-se: “Por que o Bhagavan, o mestre de todos os darmas, está sorrindo assim e irradiando luz do seu corpo? E por que ele está sentado ali sem falar, imóvel pela bem-aventurança do samádi ou a autorrealização do conhecimento do buda, e fitando Ravana como o rei das bestas e preocupado com o progresso da sua prática?”
O Bodisatva Mahamati havia concordado previamente, por compaixão, com o pedido de Ravana e sabia dos pensamentos dos bodisatvas na assembleia. E ele sabia disso por causa do deleite deles na instrução verbal, seres em épocas futuras poderiam ficar confusos com a preferência deles por palavras em vez do significado ou pelo apego deles às práticas dos caminhos menores ou outros ensinamentos, e eles poderiam perguntar-se, uma vez que o Tatagata já tivesse transcendido o reino da consciência, por que ele estava dando um sorriso tão grande. Em antecipação à curiosidade deles, Mahamati perguntou ao Buda, “Qual é a causa desse sorriso?”[55]
O Buda replicou, “Excelente, Mahamati. É excelente que ao considerar a verdadeira natureza do mundo e almejar despertar os seres do passado, presente e futuro das visões errôneas, você tenha me perguntado sobre isso. Pois um homem sábio deve fazer questões, não apenas para seu próprio benefício, mas também para o benefício dos outros. Mahamati, Ravana, o Senhor de Lanka, perguntou aos tatagatas, os arhats, os totalmente iluminados do passado, uma questão dupla,[56] que ele agora deseja perguntar-me.[57] E porque esse ensinamento não é algo que aqueles que seguem os caminhos menores ou outros ensinamentos podem entender, esse yaksha de dez cabeças deve também perguntar aos budas do futuro.”
Ciente que Ravana desejava questioná-lo, o Bhagavan disse, “Senhor de Lanka, qualquer coisa que queira perguntar, pergunte agora, e eu colocarei um fim em suas dúvidas e as substituirei por alegria, e você será capaz de ver através da sabedoria, Senhor de Lanka, em vez da projeção. E você será capaz de conhecer as práticas apropriadas para cada estágio e o caminho para alcançar a verdade da autorrealização e a bem-aventurança do samádi. E enquanto estiver em samádi, você será protegido pelos budas e evitará os erros cultivados por aqueles nos caminhos menores. E enquanto habitar no estágio inabalável, o estágio da sabedoria, e no estágio da nuvem do darma[58] do caminho do bodisatva, você penetrará a verdade que todos os darmas são sem auto-existência,[59] e você encontrar-se-á sentado sobre uma flor de lótus de joia gigante, onde você entrará em incontáveis samádis e será instruído pelos budas.
“Senhor de Lanka, conforme você vê a si mesmo sentado nessa flor de lótus de joia gigante auxiliado pelo poder dos budas, você estará cercado por incontáveis bodisatvas também sentados em flores de lótus, e todos estarão contemplando você. Esse é um reino indescritível. E é pelo cultivo das práticas eficazes dos vários estágios desse caminho que você será capaz de ver esse reino indescritível e, desse modo, experienciar as características infinitas do estágio do tatagata, que é algo que nunca foi testemunhado pelos seguidores dos caminhos menores ou outros ensinamentos, nem mesmo por Brama, Shakra ou os Quatro Guardiões.”
Conforme o Buda falava, o Senhor de Lanka ficou de pé e procedeu para cobrir o pico com uma miríade de lótus de joias perfeitas, enquanto uma hoste de damas celestiais acompanhavam-no segurando guirlandas multicoloridas, flores de todos os tipos e cores, incenso e fragrâncias diversas, bandeiras com joias, guarda-chuvas floridos e bandeiras coloridas e usando colares de variados tamanhos, chapéus com joias, tiaras filigranadas e todos os tipos de trajes belos, com esplendor e raridade nunca antes conhecidos, muito menos vistos. Ele também conjurou uma cobertura de pérolas e incontáveis bandeiras de joias sobre o Buda e os bodisatvas e instrumentos musicais superando qualquer coisa que existia entre os devas, nagas, yakshas, gandharvas, asuras, kinnaras, mahoragas,[60] humanos e não-humanos no reino do desejo assim como os instrumentos das terras búdicas de todas as dez direções.
Depois de ter feito isso, o Rei Ravana subitamente elevou-se no ar a uma altura igual a mais de sete árvores de palmeira.[61] E quando ele estava lá no espaço, todos os tipos de instrumentos musicais, flores, perfumes e vestes caíam e preenchiam o céu, e ele então usou-os como oferendas ao Buda e os bodisatvas. E uma vez que concedeu suas oferendas ele desceu do céu e sentou-se sobre um pico adjacente ornado com joias que também era adornado com lótus de joias gigantes tão brilhantes como o sol ou o relâmpago.
Uma vez que Buda viu que Ravana estava sentado, ele sorriu e esperou para que ele apresentasse a sua questão dupla. O Rei Ravana então perguntou: “Bhagavan, perguntei aos tatagatas, aos arhats, aos totalmente iluminados do passado sobre os dois tipos de darmas, e eles responderam. Agora estou perguntando novamente na esperança que o Bhagavan possa explicar o significado das palavras deles.[62]
“Bhagavan, fui instruído nos dois tipos de darmas pelos budas de aparição, mas não pelos budas primordiais.[63] Os budas primordiais cultivam a bem-aventurança do samádi e não falam sobre os reinos imaginados pela mente. O Mais Honrado, como o Tatagata é o mestre de todos os darmas, espero que o Bhagavan, o Arhat, o Totalmente Iluminado explique agora esses dois tipos de darmas sobre os quais esses filhos de budas e eu desejamos ouvir.”
O Buda replicou, “Então pergunte, Senhor de Lanka, sobre esses dois tipos de darmas.”
O rei dos yakshas então rearranjou a coroa de joias, os colares e os outros ornamentos que decoravam o seu corpo e disse, “O Tatagata disse que os darmas devem ser abandonados, e os não-darmas mais ainda.[64] Bhagavan, o que você quer dizer quando diz que devemos abandonar esses dois tipos de darmas? Bhagavan, o que constitui um darma? E o que constitui um não-darma? E se devemos abandonar algo, por que esses dois? Isso não resultaria em projetar a existência de algo ou a não-existência de algo, algo que é real e algo que não é real? Se tudo o que fazemos é dar origem a projeções, em vez das características indiferenciadas da nossa consciência repositório,[65] veremos fios de cabelo no céu[66] e reinos de conhecimento impuro. Bhagavan, se essa é a natureza dos darmas, como vamos abandoná-los?”
O Buda replicou, “Senhor de Lanka, você vê como as pessoas ignorantes distinguem as coisas, coisas tão frágeis e impermanentes como um pote de barro, não vê? As distinções entre darmas e não-darmas[67] são as projeções das pessoas tolas e não como as coisas são vistas de acordo com o conhecimento búdico.[68] Senhor de Lanka, as pessoas tolas veem as coisas em termos de características, não o sábio.
“Senhor de Lanka, o fogo é visto como algo uniforme, mas quando ele destrói coisas tais como edifícios ou árvores, as suas chamas são distinguidas dependendo da forma e do tamanho do material que queima. Por que você não vê que os darmas e os não-darmas são distintos da mesma maneira – assim como o fogo é visto como uma continuidade singular ou como uma diversidade de chamas?[69] Ou considere a continuidade de uma semente, Senhor de Lanka, conforme ela faz surgir as formas variadas tais como brotos, caules, nós, galhos, folhas, botões, flores e frutos.[70] E assim como com os objetos externos, o mesmo é verdadeiro em relação aos objetos internos, pelos quais a ignorância faz surgir darmas tais como skandhas, dhatus e ayatanas[71] assim como as várias existências nos três reinos e as diferenças em termos de sofrimento e alegria, bem e mal, discurso e silêncio. Então, também, a consciência e seus objetos são iguais, mas diferem dependendo das distinções tais como qual é superior, neutra ou inferior, contaminada ou pura, boa ou má. Não somente existem distinções entre coisas como essas, Senhor de Lanka, quando os iogues praticam meditação, as características dos seus reinos internos são também marcadas pelas diferenças. Quão mais então os darmas e os não-darmas são marcados por uma multitude de distinções? Assim, Senhor de Lanka, as diferentes características dos darmas e não-darmas são o resultado da projeção.[72]
“O que, então, Senhor de Lanka, é um darma? Um darma é qualquer coisa que uma pessoa ordinária ou os seguidores dos caminhos menores e heterodoxos imaginam. Basicamente, eles pensam que um darma tem existência e substância e surge a partir de causas. Tais coisas devem ser abandonadas e evitadas.[73] Não se envolva na projeção de aparências ou torne-se apegado às percepções da sua própria mente. As coisas que as pessoas seguram, tais como os potes de barro, não têm substância real. Ver os darmas assim é abandoná-los.
“E o que, Senhor de Lanka, é um não-darma?[74] Isso refere-se ao que não tem corpo discernível por si próprio, o que não tem características distinguíveis, o que não é sujeito à causação, e o que não oferece base para as visões da sua existência ou não-existência. Por isso, também deve ser abandonado. Os não-darmas são coisas tais como chifres em um coelho, em um burro, um camelo, ou um cavalo ou a prole de uma mulher estéril. Tais coisas não têm qualquer forma ou aparência e não podem ser percebidas. Elas são meros nomes falados de acordo com a convenção. Elas não são coisas que podem ser seguradas, como um pote de barro. E assim como o que é discriminado como existente deve ser abandonado, o que não pode ser conhecido por qualquer forma de consciência também deve ser abandonado. É por isso que digo para abandonar os darmas e os não-darmas. Senhor de Lanka, respondi o que você perguntou.
“Senhor de Lanka, você diz que perguntou isso no passado para os tatagatas, os arhats, os totalmente iluminados e eles também responderam-no. Senhor de Lanka, o que você chama de passado é, por outro nome, uma projeção. E assim como o passado é uma projeção, assim também o são o futuro e o presente. Senhor de Lanka, os tatagatas não projetam o que equivale à realidade.[75] Eles transcendem a projeção e a fabricação[76] e não seguem distinguindo as formas, exceto para instruir ou pacificar o ignorante. É através dessa sabedoria que os tatagatas praticam uma prática sem forma. Assim, os tatagatas consideram o conhecimento como o corpo real deles. E porque eles consideram o conhecimento como seus corpos reais, eles estão livres das projeções ou qualquer coisa que projete, tal como um ego, uma vida, ou uma pessoa ou qualquer tipo de consciência que faz surgir formas dependentes de um mundo objetivo. Assim, eles estão livres do que projeta e do que é projetado.
“Senhor de Lanka, as aparências dos seres são como pinturas: elas não são conscientes e não estão sujeitas ao carma.[77] O mesmo é verdade sobre os darmas e não-darmas. Não há ninguém que fala, nem ninguém que ouve. Senhor de Lanka, tudo nesse mundo é como uma ilusão. Isso está além do entendimento dos seres ignorantes e dos seguidores dos outros caminhos. Senhor de Lanka, ver as coisas assim é vê-las como elas realmente são. Ver o contrário disso é vê-las como elas não são, envolver-se na projeção, e tornar-se apegado a esses dois tipos de darmas. Senhor de Lanka, isso é como ver uma imagem em um espelho ou uma reflexão na água ou como ver uma figura na luz da lua ou uma sombra em uma parede ou como ouvir um eco em um vale. As pessoas presas às imagens de suas próprias projeções apegam-se aos darmas e não-darmas. Incapazes de abandoná-las, elas continuam a envolverem-se na projeção e falham em alcançar a tranquilidade. A tranquilidade significa unidade,[78] e unidade significa o tatagata-garba, o reino da autorrealização do conhecimento búdico, de onde o supremo samádi surge.”[79]
[1] Embora não tenhamos cópias primitivas do texto em Sânscrito desse sutra, as que temos dividem o texto em dez capítulos – com o décimo capítulo sendo uma coleção de gathas a qual Nanjio Bunyiu deu o título: Sagathakam (Antologia de Versos). A mesma divisão em dez capítulos também foi usada por Shikshananda mas não por Bodhiruchi, que dividiu sua tradução em dezoito capítulos, e também não por Gunabhadra, que dividiu sua tradução (menos o primeiro capítulo, o Dharani, e o Sagathakam) em quatro partes, todas com o título: “O Coração do Ensinamento dos Budas.” A divisão posterior em seções foi obra de comentadores subsequentes, e inúmeras variações existem. Em vez de introduzir um novo conjunto de divisões em seções e para tornar as comparações mais fáceis, segui as de Suzuki, cujas seções foram baseadas nas do monge japonês, Kokan Shiren (1278-1346). Entretanto, combinei os capítulos de 4 a 8 em um capítulo único e, diferentemente de Suzuki, numerei os versos separadamente para cada seção em vez de cada capítulo.
[2] Capítulo Um. Nesse primeiro capítulo, quando o Buda reaparece do palácio do rei serpente, Ravana pede instrução sobre os darmas, os componentes da realidade enquanto percebida e entendida por aqueles que dividem o mundo ou suas próprias consciências em partes, e os não-darmas, as criações da nossa imaginação. O Buda responde com a manifestação de um circo ilusório, um sorriso monumental e luz, e finalmente com poucas palavras para apontar Ravana para além dos darmas e não-darmas, de volta para sua própria mente indiferenciada e que não discrimina.
[3] Como em outros sutras Budistas, o falante pressuposto é Ananda, o primo do Buda e seu atendente pessoal, cuja memória infalível formou a base para a compilação inicial dos sermões de Shakyamuni no Primeiro Concílio, realizado em 383 a.C. pouco depois do Nirvana do Buda.
[4] Lanka refere-se à ilha de Sri Lanka (Lanka Sagrada)
[5] Maha significa “grande,” e mati (da raiz man) significa “mente.” Assim, maha-mati significa “grande-mente” ou “sábio”, e o termo era aplicado àqueles célebres por sua sabedoria. Assim, Mahamati representa todos aqueles que cultivam a sabedoria. Mahamati também é o nome do planeta Júpiter. O título “mahasattva” era aplicado aos leões e também aos homens heróis que compartilhavam a valentia dos leões. É usualmente traduzido como “grande ser,” mas “valente” chega mais próximo. Por simplicidade decidi omitir mahasattva em suas aparições subsequentes, mas os leitores podem assumir a sua presença depois da maior parte das ocorrências da palavra “bodisatva.”
[6] O Sânscrito é sva-citta-drshya (percepções da própria mente de alguém). Esse é um dos fios condutores desse sutra, o outro sendo as variações de pratyatma-gati (realização pessoal).
[7] Entre os conceitos usados nesse sutra para explicar como a mente funciona e como nós percebemos (erroneamente) a realidade estão os cinco darmas: aparência, nome, projeção, conhecimento correto e talidade; os três modos da realidade: imaginada, dependente e perfeita; as oito formas da consciência: uma para cada um dos seis sentidos – o sexto sendo a consciência conceitual, uma sétima para a autoidentidade e raciocínio, e uma oitava para armazenar e distribuir as sementes da energia-hábito deixadas para trás pelas operações da sexta e sétima formas de consciência; e dois tipos de não-sujeito: a negação da auto-existência referente aos objetos animados e inanimados. Para a última frase, (e eu segui a tradução chinesa de Gunabhadra até o fim desse parágrafo) o Sânscrito traz nairatmya-advaya, “não-sujeito e não-dualidade.” Para os relacionamentos entre esses vários conceitos, veja as seções LXXXIII e LXXXIV.
[8] Com esse parágrafo, os textos em Sânscrito existentes e as traduções chinesas de Bodhiruchi e Shikshananda iniciam um relato de um capítulo sobre o discurso de Buda a Ravana, o governante de Lanka e chefe dos yakshas que habitavam essa ilha. Nada disso aparece na tradução de Gunabhadra. Mas, em vez de colocá-lo em um apêndice, decidi que ele se encaixa melhor aqui, especialmente porque serve para introduzir o ensinamento que se segue. Embora a minha tradução do restante desse capítulo seja baseada em sua maioria no Sânscrito, escolhi às vezes seguir o Chinês de Bodhiruchi e/ou de Shikshananda. Em casos onde tais escolhas resultaram em uma leitura significantemente diferente, menciono isso nas minhas notas.
[9] O Sânscrito para “rei-serpente” é naga-raja. Na Índia antiga, como em outras civilizações ancestrais, as serpentes eram vistas como guardiãs do conhecimento, e o conhecimento búdico, ou arya-jnana, é o objetivo da prática ensinada nesse sutra. Sagara era um dos oito reis serpentes que agiram como protetores do Darma na Índia antiga. A sua residência era no fundo do oceano, e existem dois sutras no Tripitaka que são dirigidos a ele (Taisho 598 e 599), o primeiro deles já existindo em 300 d.C.
[10] Shakra é o chefe entre os deuses. Brama é o criador do universo.
[11] Malaya é uma referência não tão velada à oitava forma de consciência, ou alaya-vijnana.
[12] O Sânscrito é sva-pratyatma-arya-jnana. A experiência pessoal do que os budas sabem é o segundo princípio ensinado nesse sutra. Essa frase também aparece no final desse capítulo.
[13] Duas categorias de Budistas Hinayanas devotados à auto-liberação e à realização do nirvana, como oposto à liberação de todos os seres e à realização da iluminação que caracteriza o Budismo Mahayana.
[14] Ravana era o rei de dez cabeças de Lanka. O seu nome significa “Ele do Rugido Aterrorizante,” referindo-se aos seus gritos de agonia enquanto era preso sob uma montanha por Shiva. Ele ainda hoje é insultado na Índia por seu sequestro da esposa de Rama. Os yakshas eram uma das tribos antigas da Índia e foram demonizados juntamente com seu rei.
[15] Nesse sutra, a mente é vista como o repositório do que sobra de todas as imagens que nós previamente projetamos sobre um mundo “externo” assim como um “interno” e também a fonte das projeções futuras. Somente Bodhiruchi atribui a percepção dos pensamentos aqui a Buda, em vez de Ravana. Ainda assim, é pelo poder do Buda que Ravana vê tais pensamentos e os vê de uma forma que concorda com a metáfora fundamental da mente como um oceano e os pensamentos como suas ondas.
[16] A circunvolução em sentido horário de uma pessoa sagrada ou lugar era uma forma antiga de mostrar respeito na Índia.
[17] Vaidurya, água-marinha, uma forma azul de berilo. Depois do ouro e da prata, essa era a mais preciosa das sapta-ratna, ou “sete joias.” Ela foi posteriormente substituída pela lápis-lazúli, que era muito mais barata e fácil de obter.
[18] Uma forma poética usualmente consistindo de quartetos.
[19] Grama e murchana são os nomes dos dois modos, ou escalas, mais antigos da música indiana. O texto em Sânscrito inclui os nomes de seis de suas sete notas: saharshya, rishabha, gandhara, dhavata, nishada e madhyama. Esse nível de detalhe, entretanto, só está presente no Sânscrito, logo decidi seguir o Chinês nesse caso.
[20] Uma raga tocada de manhã em louvor às deidades.
[21] Uma forma poética de linhas de doze sílabas consistindo de quatro pés de três sílabas idênticas. Entretanto, o texto Sânscrito dos gathas que se segue não está mais no metro totaka, assumindo que originalmente encontrava-se.
[22] Mulheres celestiais conhecidas por sua beleza e graça e também pela sua habilidade como dançarinas.
[23] Conselheiros de Ravana que certa vez disfarçaram-se de macacos para espionar Rama.
[24] O Sânscrito é pratyatma-gati-gocaram, onde gocara (pasto) refere-se a um campo perceptivo e/ou os objetos dentro daquele campo, enquanto pratyatma-gati significa “realizado pessoalmente.”
[25] Aqui e em qualquer outro lugar, essa expressão refere-se aos bodisatvas. O Sânscrito é jina-putra.
[26] Irmão de Ravana. Como os yakshas, os rakshasas eram uma das tribos antigas da Índia. As duas foram relacionadas e frequentemente confundidas.
[27] Um epíteto do Buda significando “Grande Sábio.”
[28] Em Sânscrito ashoka significa “livre da angústia.” Também é o nome de Sac-raca asoca, conhecida por sua folhagem verde densa e por suas flores laranjas fragrantes que florescem em Março e Abril.
[29] Os três reinos são os do desejo, forma e não-forma.
[30] A referência aqui é tanto para aqueles que habitam em Lanka assim como para aqueles que praticam a autorrealização.
[31] O Sânscrito é drshta-dharma-sukha. Essa frase aparecerá novamente, mas não até as seções LXXXII e LXXXIII.
[32] Outro epíteto dos budas, sugata significa “o que partiu bem.”
[33] De acordo com ambos Bodhiruchi e Shikshananda.
[34] O equivalente masculino das apsaras, guardiões do soma, uma mistura alucinógena usada pelos sacerdotes. Eles também eram músicos habilidosos que viviam no céu. Por isso, referir-se às suas moradas nas nuvens é equivalente a referir-se a uma ilusão.
[35] Deve ficar claro a partir disso e do que já foi visto que o ensinamento que Ravana ouvirá não é o do “apenas mente,” que ele já entende, ou pensa que entende, mas o da realização pessoal, que distingue esse sutra de todos os outros.
[36] O Sânscrito é paravrtti-bhave, onde paravrtti significa “reformar” e bhave significa “existência.” No Sutra do Diamante (5), o Buda diz: “Como a posse de atributos é uma ilusão, Subhuti, e a não posse de atributos é não ilusão, através dos atributos que não são atributos o Tatagata pode, de fato, ser visto.” A terceira linha refere-se àqueles cujo estado meditativo é tal que os pensamentos não surgem mais.
[37] Juntamente com a realização pessoal do conhecimento búdico, este é o outro fio condutor que perpassa todo esse sutra, o ensinamento conhecido como “mente apenas,” o que percebemos não é nada além das nossas próprias mentes: sva-citta-drshya-matra.
[38] Esse sutra é claramente dirigido a um público familiarizado com os ensinamentos da yoga do seu tempo, como pode ser inferido pela aparição de termos tais como esse. Em outros lugares, inclinei-me a traduzir esse termo como “praticante” para evitar a associação com qualquer tradição específica.
[39] Essa é minha interpretação padrão de citta-manas-mano-vijnana. Por citta (mente) quer-se dizer a oitava consciência, ou repositório; por manas (vontade) quer-se dizer da sétima consciência, que também é chamada “auto-consciência;” e por mano-vijnana (consciência conceitual) quer-se dizer da sexta consciência, que reifica as cinco formas da consciência baseadas na sensibilidade em constructos conceituais. No Lankavatara, a consciência conceitual é vista como a raiz da compreensão errônea. Em outros textos, a vontade é a sua fonte. Deve ser notado, entretanto, que no Lankavatara, esse composto às vezes quer dizer simplesmente “mente e consciência.”
[40] Na Seção LXVIII, o Buda lista as três continuidades, ou tri-samtati, como ambição, raiva e delusão, que em outro lugar são conhecidas como os “três venenos.”
[41] O ventre dos budas. A mente purificada. A consciência repositório (alaya-vijnana) transformada.
[42] Segui Bodhiruchi. Shikshananda traz “do céu e de dentro do seu palácio,” e o Sânscrito traz apenas “do céu.”
[43] Os Vedas referem-se às escrituras dos Brâmanes. Isso não está presente no Sânscrito, que traz em vez disso: “Não aceite visões relativas à auto-existência.” Está, entretanto, presente em Bodhiruchi e Shikshanananda.
[44] A referência é para as meditações que visam adquirir os seis poderes.
[45] Novamente, paravrtti (reverter/transformar). Mas aqui o objeto é vijnana (consciência), em vez de bhave (existência) ou ashrya (base).
[46] Esses dois termos são usados frequentemente como sinônimos para os estados mais profundos de meditação. Quando são distintos, samádi refere-se a uma ampla variedade de meditações específicas, enquanto samapatti refere-se às quatro meditações sem forma ou a uma combinação de quietude e contemplação.
[47] Os Lokayatas acreditavam que o mundo era composto de quatro elementos materiais de solidez (terra), umidade (água), calor (fogo) e movimento (vento); os Sarvastivadins acreditavam na substância subjacente que sobrevivia à mudança; e os Samkhyas acreditavam nas tendências (gunas) da criação, estase e destruição que combinadas formariam a realidade.
[48] Ravana ouve o que foi mencionado acima e sabe que isso é dito pelo Buda mas não o vê.
[49] O Sânscrito é anutpattika-dharma-kshanti. O alcançar dessa realização – que não surgiu, surge agora ou surgirá – marca o oitavo e o estágio essencialmente final do caminho do bodisatva, conforme o nono e o décimo estágios são “onde os tatagatas habitam.” Enquanto o Sânscrito especifica que Ravana já alcançou tal realização, tanto Bodhiruchi quanto Shikshananda trazem variações de “alcançará em breve.” Entretanto, nas páginas seguintes, o Buda descreve a ascensão futura de Ravana do estágio inabalável (oitavo) para a nuvem de darma ou estágio do tatagata (décimo). Logo, seria razoável que ele já tivesse alcançado o oitavo estágio.
[50] Diz-se que os corpos dos budas são marcados por trinta e dois atributos, tais como braços e lóbulos das orelhas longos, uma espiral no meio da testa, uma swastika no meio do peito, etc.
[51] Este antigo símbolo de origem desconhecida também é referido como um shrivatsa. Ele frequentemente aparece como uma espiral branca no meio do peito de um buda ou um dos deuses Hindus, como por exemplo Vishnu.
[52] Uma demonstração similar de luz saindo do corpo do Buda ocorreu antes de sua ascensão ao Paraíso Tryantrinsha para ensinar o abhidarma à sua mãe. Além disso, o sorriso de Buda distingue esse ensinamento com uma das marcas do Zen.
[53] Os Quatro Guardiões são protetores do Darma. As suas estátuas marcam a entrada da maioria dos monastérios Budistas no Leste Asiático.
[54] O Monte Sumeru (ou Monte Meru) ocupa o centro do universo Budista. Essa não é uma comparação vã. De acordo com as lendas Hindus, o pico do Monte Sumeru explodiu e caiu no mar para formar a ilha de Lanka.
[55] A gênese tradicional do Zen remonta ao dia quando o Buda segurou uma flor e Kashyapa sorriu. Aqui, no entanto, o Buda sorri.
[56] O Sânscrito é prashnadvayam prshtavan (fazer algumas questões). Do que se segue podemos ver que isso refere-se aos darmas e não-darmas (adharma), ambos os quais, como o Buda explica abaixo, são projeções ou fabricações e devem ser abandonados.
[57] A isso, o Sânscrito adiciona, “pois ele quer saber como eles diferem, como são constituídos e o que eles determinam.”
[58] Esses são os estágios oitavo, nono e décimo, ou bhumis, do caminho bodisatva: o acala, sadhu-mati e dharma-megha bhumi. Ademais, o Lankavatara também menciona um tatagata bhumi, ou estágio do tatagata. Alguns comentadores pensam que se trata de um décimo primeiro estágio. Sugiro que ele seja apenas outro nome para o décimo estágio.
[59] As linhas restantes desse parágrafo e todo o próximo parágrafo estão ausentes em Shikshananda e não estão claros no Sânscrito. Segui Bodhiruchi.
[60] Kinnaras eram metade humanos e metade cavalos, enquanto os mahoragas eram serpentes.
[61] O tala, ou palmeira palmyra, cresce a uma altura de mais de 18 metros. Na Índia antiga, suas folhas em forma de leque supriam os primeiros Budistas com o material o qual suas escrituras foram escritas pela primeira vez.
[62] Isso me lembra o filme Feitiço do Tempo (Groundhog Day). Ravana perguntou antes, e os budas do passado explicaram que todos os darmas são ficções – os darmas e os não-darmas. E aparentemente ele perguntará sobre isso no futuro.
[63] Tanto Bodhiruchi quanto Shikshananda trazem ken-pen-ju-lai (budas primordiais), um termo exclusivo desse sutra. Em outros lugares, esse sutra apresenta uma versão mais antiga dos três corpos de todo buda: o corpo no qual um buda aparece aos outros, o corpo no qual um buda alcança e desfruta a bem-aventurança da realização e o corpo real do buda, que é o ensinamento – ou, como esse sutra diria, o conhecimento desse ensinamento. Em vez de “budas primordiais,” Suzuki traduz como “tatagatas do silêncio,” que aparentemente vem da leitura do Sânscrito mauna (silêncio) em vez de maula (antigo).
[64] O Buda diz isso no Capítulo Sete do Sutra do Diamante, e em outros lugares.
[65] Em seu estado indiferenciado, a consciência repositório, ou alaya-vijnana, é conhecida como tatagata-garbha, ou ventre dos budas. Aquela representa a mente contaminada, esta a mente purificada. Para os budas ambas são apenas uma e a mesma. Para o restante de nós, elas são diferentes.
[66] O Sânscrito é kesha-undaka, ou o que chamamos de “moscas volantes”, que são visíveis quando os olhos estão fechados. Esse é um dos símiles padrão do Buda para a nossa percepção errônea do que é real.
[67] Antes de proceder o Buda estabelece a não-diferença entre darmas e não-darmas. Embora isso não pareça importante, tornar-se-á, pois os não-darmas acabarão tendo as mesmas características que os darmas, e os darmas não serão, assim, mais reais do que os não-darmas.
[68] O Sânscrito é arya-jnana, onde arya refere-se aos “nobres”, ou seja, os budas.
[69] Darmas e não-darmas são comparados aqui às chamas, as quais qualquer distinção deve ser arbitrária e não baseada em qualquer coisa real.
[70] Assim como as chamas, as distinções do desenvolvimento de um objeto são da mesma forma arbitrárias. Tudo está em um constante fluxo no tempo, assim como tudo é indivisível no espaço.
[71] Matrizes das categorias abhidharmas tais como essa foram usadas no Budismo inicial para análise da consciência de acordo com as variações da divisão básica interna-externa (nama-rupa). Os skandhas incluem a forma (externa), sensação, percepção, memória e consciência (interna). As ayatanas incluem os cinco poderes da sensação (externa) e seus respectivos domínios (externos) juntamente com o sexto poder da mente e seus reinos do pensamento (internos). Os dhatus adicionam as seis formas da consciência (interna) que surgem da conjunção das dozes ayatanas.
[72] Ou seja, eles próprios não possuem características.
[73] Os darmas não são o problema. O problema é o apego às distinções sobre as quais os darmas estão baseados. Nesse capítulo, darmas e não-darmas são tratados como equivalentes ao que nos capítulos subsequentes serão nome e aparência, os dois primeiros dos cinco darmas, que são objetos de projeção.
[74] De acordo com a doutrina do prajnapti-matra (mera designação/fabricação) ensinada pelos professores Yogacara, tudo torna-se um não-darma, ou uma realidade inventada. Desde que todos os darmas são não-darmas, falar sobre um é falar sobre o outro, e não há necessidade de falar de ambos. Por isso, ao longo do restante desse sutra, o termo “não-darma” não é mencionado de novo. Veja a Seção XIX, Capítulo 2.
[75] O Sânscrito para “realidade” aqui é dharmata.
[76] A projeção (vikalpa) dos darmas e a fabricação (prajnapti) dos não-darmas.
[77] O comentário do Buda aqui refere-se à projeção dos seres não serem os seres eles próprios.
[78] O Sânscrito é ekagra.
[79] O Buda espera até o final desse capítulo para prover uma lista de categorias que ele usará ao longo de todo o restante do sutra para representar a lua que ele aponta: o tatagata-garbha em contraste com alaya-vijnana, a autorrealização do conhecimento búdico em contraste com a projeção dos darmas e não-darmas, tranquilidade em contraste com nirvana, unidade em contraste com multiplicidade. É claro, “unidade” para o Buda não é nem unidade nem multiplicidade. É por isso que o Buda sorri. Bodhiruchi, somente ele, especifica “o samádi do autocontrole do não-surgimento.”
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