O livro é o fogão
do sonho de plantão
de um país, uma Nação
aquece, nutre e prepara
o sentimento, a batalha
O livro é o tijolo
o pilar, o miolo,
do castelo da mente
que ri contente
na selva do presente
A escrita é um baile de máscaras
o esconde-esconde das crianças rápidas
é um labirinto, uma caverna
que acalenta e é-terna
O festival é ritual – corrente
de gente elétrica que rindo
transforma ruído em hino
a cidade nossa em destino
das dádivas, do Universo, do menino.
O livro é a escola, as fadas, a cola
unindo os enredos,
as horas, dos romances
do agora, que ousa,
não ignora, os outros
a memória, o ontem
as glórias, de antanho, de outrora.
Um livro faz sorrir, atiça à febre
transforma à onça em lebre
Nos leva a passear com sua nave
sobrevoa continentes, montanhas, vales
viola as violáveis leis da física
vai e volta ao passado, como ao botequim da esquina,
acessa o futuro como a um banco de dados do dia a dia.
O livro é uma ilha, um oásis, um castelo
Morada caudalosa do que é velho
vínculo por um triz com o belo.
A página é o órgão do tecido do parágrafo. A frase é a molécula do átomo da palavra. Todos gerando o corpo vivo – que respira – do livro.
A autoria é bruxaria,
erguendo os muros de arrimos espirituais
é o concreto duro dos ideais
arquitetando as moradas do futuro.
O personagem é a carruagem, a viagem à vela pelo mar da narrativa. Uma das milhões de máscaras do tango sambista, do sentimento, das vistas, da existência, da vida.
A palavra é o lego, brinquedo
a serviço do roteiro, do enredo
que embala, dos berços sedosos,
aos cabelos brancos dos idosos.
O livro é retórico, conotativo
confissão de um causo longínquo
uma boa rede numa tarde de Domingo.
Um livro é um satélite que nos orbita muito alto, enviando-nos os mapas da ação futura e pintando o caleidoscópio – vitral colorido, com cheiro de Dama-da-Noite, do passado que nos abraça bem forte pela manhã.
O livro é um poder
fonte inesgotável do Ser
é um fenômeno natural,
um vulcão, a chuva, o temporal.
O livro enlouqueceu Dom Quixote, foi queimado em praça pública, proibido em Index Librorum Prohibitorum, porém resiste como a água da cachoeira que se lança sem saber onde fará seu papel de molhar, regar e prover vida.
O livro é um labrador inseparável
macio aveludado
companheiro cuidadoso
sempre zeloso
da chama, do fogo
alimentada pelo novo.
O livro é uma árvore distinta
lá dos quintais da Índia,
um fruto diferente em cada galho
é uma colcha de retalhos
um dado com mil lados
ávidos para liderar o exército
do que é belo, da vida, do mérito!
O livro é um canhão alegre,
cuspindo balas de confete
é a tentativa humana
que sempre se engana
em guardar no baú da memória
os Ipês Brancos, as Sabiás, as Horas.
Cada autor é um mistério, erupção mística de lava primordial. O livro é o meio, a finalidade por onde o autor faz seu pacto de imortalidade. O livro é a certidão de nascimento e de eternidade, artefato mágico que não tem preço porque deve ser grátis.
O livro é escada, poente, edifício, ponte, o início, a porta, a janela, da revolução, da quimera.
Essa reunião de páginas, é uma deusa complacente nutrindo suas criaturas humanas com o néctar da juventude, colecionadora de sapiências, doando a cada ser sua parte como uma boa mãe.
O livro é diário, mutação, conto, canção, romance, confissão.
É o colo da avó, do avô, contando com cuidado os causos do passado.
O livro aponta para dois lados opostos: é o esforço de um ser humano singular em reconhecer seus antepassados, e o grito desesperado pelas gerações futuras.
O livro é o tempo! Salve Merleau-Ponty, Ricouer e Rorty. Soprando os novos vocabulários, as novas metáforas, remodelando essa grande teia-de-aranha de crenças e desejos do bípede sem penas.
O livro é alcoólico, inebria, convida à reunião mística. É hidromel Viking das quebradas, que consertamos aos poucos.
O leitor é o scout, a vanguarda, o alpinista da montanha da palavra. O leitor é o caçador, movido pelo amor; presa fácil do autor.
O autor é o regente da orquestra sinfônica de seus guetos mentais, viciado em levantar o véu do rosto da Natureza para descrevê-la. O autor é a própria encarnação do Verbo, tecendo com o fio da palavra o novelo do que se é.
É o símbolo, o signo, o Grego semeion, que une para sempre duas constelações: a Ursa Maior de um leitor com a Órion de um autor.
O livro aberto é a cura da ferida da guerra, a balança das desproporções nossas, é dádiva – fruto – direto das roças.
O livro é a Civilização, é São Carlos, Brasil, Japão; um álbum, coleção, daqueles que tem coração.
É a estrela cadente no céu da nossa ignorância, é a flor de lótus no matagal do quintal.
É o agrotóxico contra a erva daninha da estupidez, é neve espessa sobre o fogo da raiva.
O livro é a mina terrestre, que explode em palavras os ideais, as utopias, do nosso chá em ebulição.
É cadeia que aprisiona a imbecilidade, transformando-a pela curiosidade em uma nova aurora boreal num céu – por que não? – do Sul.
A página do livro é a pena do pássaro, leve e resistente, mas que precisa de todas trabalhando em uníssono para alçar voo.
O Livro é a Bíblia, Mahabharata, Platão, Aristóteles, Dante, Shakespeare, Camões, Gregório de Matos, Bocage, Gil Vicente, Proust, Nietzsche, Freud, Fernando Pessoa[s], Machado, Guimarães, Walt Whitman, William Faulkner, Virginia Woolf.
É a celebração indígena milenar, é desafio de outro humano encarar: colapso criador entre infinitos.
O livro é a Floresta Amazônica exuberante e sublime em seus labirintos que não levam a nenhum lugar além do autoconhecimento!
É poliglota, fala Hindi, Alemão, Flamenco, Galego, adora às curvas da língua, as assonâncias, as aliterações, as elipses.
O livro é a Igreja, Sinagoga, Abadia, Mesquita, Terreno, com suas portas e páginas sempre abertas aos fiéis todos.
É o Leviatã, o monstro do engenho humano, que não para de crescer pelo esforço pequeno mas afinado das notas que compõem a melodia dessa grande Signosfera.
A caneta é. O papel também. A palavra será o céu de alguém. Porém o sindicato da palavra pode resolver não agregar-se em texto algum! Os parágrafos revoltados podem cansar-se da coesão e da coerência, querendo ser audiência do milagre do escrever de uma letra.
O livro é a areia movediça, onde afundamos a preguiça. É Maracanã lotado em final de Copa, onde sempre ganhamos.
A letra é dádiva da mão, é a farinha integral do pão. O texto é o que nos resta, é, ele próprio, a legenda da festa!
O texto que se estuda, se apaixona, que enlouquece, que resiste, embriaga, entorpece.
As palavras timoneiras das naus do destino. Que navegam em recifes de praias desconhecidas.
As artes todas são devedoras, dos dons das mãos autoras, seus traços fugidios, são milagres gentios, escudo humano levantado, contra o tempo, esse coitado!
A palavra se apresenta, é a pimenta e o molho, ficção vidrada no olho, que quer ser ninada, delicadamente derramada, sobre a alvura do papel, seu escudeiro tão fiel.
O desenho, irmão da letra, expõe o que é, argumenta, em riscos, curvas, piruetas. Dá à imaginação a corneta, imita à cor da violeta; o desenho é a outra face da letra.
Se algum leitor, porventura, transmutar-se em autor, é só para ser o vocabulário do tempo, o orvalho num campo outonal, o canto ensaiado das Sabiás.
A gramática mágica dá o tom, canta nosso tempo que é bom, convida às matilhas para a ação: que ocupem seus lugares na revolução!
A fagulha do poema é ventania, queima e balança às teimosias. O poema é a fundição quente, derretendo o senso comum, na forja do novo azul.
A fantasia é a fuga, tangente, da ciência, do projeto nascente. Cada página dita o ritmo, da bateria de carnaval do livro.
A pupila não conta
o quebra-cabeças que se monta
da caligrafia, sedutora,
o adorno da letra cantora,
contorna as emoções todas,
circula o arco da coroa,
faz do lombo da palavra
a incursão no ato sacramentado
no seu movimento de trem descarrilhado
roda-gigante semântica que baila
com pompa pelo instante.
Concluído em 12-09-2014. Texto feito para a monitoria de comunicação do Festival Contato, São Carlos, na oficina Livro de Artista ministrada por Pablo Blanco, Diogo Blanco, Edson Vieira, e Marcus Bellaver. Muito Obrigado !
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