O poeta: esse transigente

O poeta enxerta caos e desconforto num mundo sacramentado pelo confortável.

Combate as metralhadoras e granadas com riso e afeição.

Faz sentir a beleza do perdão e do reencontro.

Confere grandeza eloquente às minudências.

Enfeita os tapetes vermelhos, cinzas e dourados por onde tu tens que passar.

Recolhe e reconhece as pétalas da roseira porque só ele viu a atuação trágica e memorável de uma flor que despenca.

O poeta faz tremer seu terremoto de magnitude titânica – Everest implodindo – e as ondas formarão praias do outro lado do mundo.

O poeta é o veículo, táxi, lotação, ávido por reconhecer cada passageiro, conduzindo-os aos seus destinos.

O poeta é o meio, o líquido aquoso da célula, que permite e acelera as reações.

O poeta é um fusca que se orgulha do serviço prestado.

O poeta é o inverno: solitário, meio frio e nublado.

O poeta é a primavera: semente, raiz e árvore cuspindo a vida em cada poro.

O poeta é o verão: carnaval ensolarado que não finda.

O poeta é o outono: despedaçando-se conforme avança, murchando toda vez que fala.

O poeta é o que nos resta, um excesso de deleite, que inunda o presente.

O poeta é o éter, o absurdo, no palco astuto, em cobrir o seu vulto e gargalhar com o mundo.

O poeta é o assunto, o mais picante, seu apetite devorante é colecionador de instantes.

O poeta é fêmea e macho, sonhador e realizador, passivo e ativo, estudante e professor.

O poeta reúne cada gota de orvalho artístico, condensando-o em nuvens e chovendo sem moderação.

O poeta ergue espelhos ante a natureza, pois cansou-se de ver apenas a si mesmo.

O poeta solapa a rebelião do castelo, não usa armas brancas ou de fogo, persuade pela não-violência e lidera.

O poeta, cartógrafo, decifra o mapa do dia a dia. Inverte sonho com real, razão com loucura.

Simula o paraíso na própria entranha do agora.

O poeta é o chocolate, o aroma, o exótico incenso que em Roma, serviu a Nero e Alexandre.

O poeta é a atitude, o enfrentamento, não a marreta, o cimento, que convida à reunião no momento.

O poeta é o para-raio, a antena, um grito à beleza, uma nuvem altaneira.

Suas dádivas, seus dons, são alimentos que se dão, como chuva de verão.

Suas letras, seus hinos, serão a cartilha do menino, companheira inseparável.

E o mais bonito na escrita, na poesia, é o ato de sustentar a melodia única, mas universal, de um ser humano sem igual.

E nesse esforço tímido de eternizar em linhas o fluxo contínuo da vida,

O poeta foi, é, e será o maior arquivista da Biblioteca Humana, seu principal arqueólogo, o filósofo das Nações, o Engenheiro que faz as pontes para o futuro com alicerces muito sólidos.

Reinando sobre a morte, o poeta é o necromancer, o xamã, o cão e o gato.

Como um espectro onipresente ele anda pari passu conosco até o dia que o ar, o ar, esse invisível que nos sustenta, nos faltar.

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