Os personagens do bairro escapam pelos poros

– E se essas nuvens, mosaicos de pérolas tão dinâmicas em seu ventar, e se elas trouxerem em seus seios belos as cantigas das infâncias?

– E para que?

– Para nos embalar em nosso orvalhar pela relva.

– E os agrotóxicos?

– Levantemo-nos, rijos, hirtos! contra os obstáculos!

– Para chegar onde?

– Não sei onde é. Mas é escada dos sentimentos todos, é colheita das benesses antigas e novas, casamento profano dos distantes.

– Mas isso é tão metafísico…

– A metafísica é uma mãe fértil, prenha de sensos-comuns do amanhã.

Uma porta se abre como um profeta. Entra um elemental com forma de dragão em miniatura. Os olhares humanos se entrecruzam assustados. O dragão sopra um fogo pequeno porém resoluto no candelabro sobre a mesa, acendendo três velas. Batendo as asas rapidamente deixa a sala pela janela. O silêncio instalado é interrompido por uma voz tímida:

– Feliz de quem tem fogo próprio e asas, para atiçar o fogo nos frios ambientes longínquos, flutuando pela imensidão sem empecilhos.

– Essas velas trouxeram calor às minhas dúvidas, abraçando-as em seu peito maternal.

– Suas dúvidas eram ruídos na harmonia natural do despertar de cada novo dia.

– Essas velas representam nossas esperanças renovadas: olhe essa, numa matiz mais clara, soprando incessante a alvura da paz; essa aqui, verde, aponta para a grama nos nosso pés, grama que grassa – indígena que resiste – até sobre o concreto que nos cerca. A última é vermelha paixão: símbolo da união forjada de sangue, do ato milagroso da junção de dois humanos, de dois Cosmos.

– Para mim elas parecem três cometas fugidios, que de tão breves, mal poderão pintar o céu com seu esplendor.

– E quem te afirmou que esse mundo vertiginoso haveria de ter uma duração satisfatória?

– Vamos indo, senão perderemos o trem!

– Que trem?

– Não havíamos combinado em partir no próximo trem?

– E se ele não vier?

– Aí esperamos o próximo do próximo!

– Por que partir? Se serei esse mesmo vitral quebrado de uma igreja barroca, tentando, com obsessão, juntar os cacos que me compõem?

– Eu te disse, você tem que parar de fumar!

– Que nada, essa substância implode apenas um edifício já em ruínas, minado há muito pela horizontalidade das ações, pela massificação dos desejos, pela univocidade do sonho.

– Mas eu havia te mostrado que os sonhos são sequoias, no qual a dor da subida é recompensada pela visão altaneira da copa altíssima.

– Os meus sonhos têm me empurrado lentamente para poços profundos onde estou contido!

– Isso se dá através da nossa qualidade de nos transmutar em água, que pode ser empoçada, parada, se nenhuma força cinética, gravitacional ou escura empurrá-la em enxurradas que imiscuem-se em tudo, querendo ser todos, clamando cada gota que escorre por aí.

– Quanta afetação! Você não vê que esse negócio está escapando do nosso controle? Temos que nos voltar para as coisinhas pequenas da vida! O lavar de uma peça de roupa! No ralar de uma cenoura está contida a sabedoria de várias estantes de livros desgastados!

– Então você me diz que extrapolamos o cotidiano, erigindo nossos bairros e domicílios no ar?

– É exatamente sobre isso que eu estava dizendo.

– Vamos partir das coisas então: dos automóveis, computadores, televisões, camas, livros, tijolos, paredes, casas. O que temos então?

– Nada além da própria concretude das coisas, ué.

– Mas ela basta?

– De forma alguma!

– Então não entendi!

– Você atacou o problema de forma parcial. Para partirmos no trem da compreensão de nós e alcançarmos o trem da compreensão do mundo há muitas estações intermediárias!

– E vem de novo o bendito trem!

– Algumas estações apresentam nomes conhecidos: a estação Leitura é a primeira, sem a qual o caleidoscópio do que somos não pode vir a ser.

– Mas ouvi dizer que está em obras aceleradas uma estação que virá antes, a da Experiência.

– De fato! Cabe aos operários das linhas lançarem-se à Experiência antes que a estação Leitura fique desamparada e sem conexões.

– E quais estações vêm depois?

– Ora, as estações que esse trem humano deve percorrer são: a Dúvida, na esquina do Destino.

– Sempre vacilante!

– Estação Cólera, erigida contra o maléfico muro da crueldade.

– Nessa eu já estive, que belo sol matinal num céu de terra roxa!

– Depois é a vez da inexorável estação Música.

– Se não fosse ela, como haveríamos de cantar?

– Nas curvas do Tempo, a estação Escrita.

– Memória discreta de uma átomo de saudade.

– E, tomando todo cuidado para que o trem não descarrilhe, enfim chega-se a estação final.

– O Amor?

– Finalidade e início de tudo o que se move, luz escura de tudo que se vê.

– Ouvi dizer que esse trem vai passar aqui no Tijuco!

– Acha?

– Bairro, lugar, espaço, esquinas, futebol, pipa, infância.

– O Tijuco onde queimamos nossos rostos ao Sol de tanto olhar para cima?

– Esse Tijuco bem Preto aqui de São Carlos, cavaleiro armado até os dentes, ávido para ser alicerce de todas as moradas da Beleza, levando no peito a senha criptografada da Grande Literatura que não é bairrista.

– Óia só o Tijuco Preto!

– Cansado de ser bairro ele partiu para alçar voo sobre continentes e eras.

– Vai Tijucão Véio!

– Tchau esconde-esconde, brigas de rua, formação de quadrilhas juninas e lupinas.

– Sem o Tijuco, o que nos resta?

– Um beijo manhoso na sua testa!

Revisão dia 06/09/2015:

Sente? É o mergulho de condor do Tantra. Nuvens de pérolas tão dinâmicas, a nutrir em seus belos seios a cantiga de uma infância! Embala nosso orvalhar pela relva. Não há agrotóxicos. Esses bosques são frondosos, é uma horda interiorana a conclamar a beleza. Brincar de gangorra nos obstáculos! A escada em espiral dos sentimentos todos, colheita das benesses antigas e novas, união cósmica dos contrários. Isso é tão metafísico […] esse sistema de deslizamento semântico é fértil, prenhe dos sensos-comuns de anteontem e do amanhã. Uma porta a escancarar-se numa manhã qualquer. Um dragão a simbolizar toda a potência animal. Olhares humanos entrecruzam-se. O dragonete sopra o fogo-fátuo e resoluto num candelabro sobre a mesa, inflamando três velas. Batendo as asas rapidamente deixa a sala pela janela. A harmonia do silêncio instalado comporta uma voz tímida: Feliz de quem tem fogo próprio e asas, para atiçar o belo nas longínquas casas, flutuando pela imensidão sem empecilhos, o eterno a entoar um estribilho. Essas velas trouxeram calor às dúvidas, abraçando-as em seu colo maternal. A dúvida: ruído humano na sinfonia natural do coro da aurora. Três esperanças brilhantes renovadas: essa na matiz da pureza, soprando incessante a alvura da paz; essa outra, verde-opalina, aponta para a grama sob os pés, grama que grassa – indígena que resiste – perante o concreto a cercar. A última é vermelha paixão: aliança forjada no sangue, ato milagroso da junção de dois corpos, de dois cosmos. Três cometas fugidios, que de tão breves, mal poderão pintar o céu com seu esplendor. Mas alguém afirmou que esse círculo vertiginoso de nascimentos e mortes haveria de ter uma duração satisfatória? Vamos indo, senão perderemos o trem! Que trem? Não havíamos combinado em partir no próximo trem? E se ele não vier? Aí esperamos o próximo do próximo! Por que partir? Se estará aqui esse mesmo vitral estilhaçado de igreja barroca, tentando, com obsessão, reunir cacos de alteridades? Eu te disse, você tem que parar de vaporizar! Que nada, essa substância implode apenas um edifício hesitante, minado há muito pela horizontalidade das ações, pela massificação dos desejos, pela univocidade dos sonhos. Te mostrei que os sonhos são sequoias, no qual a dor da subida é recompensada pela visão altaneira da copa altíssima. Os sonhos têm me empurrado lentamente para poços profundos onde estou contido! Isso se dá através do transmutar-se em água, que pode ser empoçada, parada, se nenhuma força cinética, gravitacional ou escura, empurrá-la em enxurradas que imiscuem-se em tudo, querendo ser todos, clamando cada gota que escorre por aí. Quanta afetação! Você não vê que esse negócio está escapando do nosso controle? Temos que nos voltar para as coisinhas pequenas da vida! O lavar de uma peça de roupa! No ralar de uma cenoura está contido a sabedoria de várias estantes de livros desgastados! Então você me diz que extrapolamos o cotidiano, erigindo nossos bairros e domicílios no ar? É exatamente sobre isso que eu estava dizendo. Vamos partir das coisas então: dos automóveis, computadores, televisões, camas, livros, tijolos, paredes, casas. O que temos então? Nada além da própria concretude das coisas, ué. Mas ela basta? De forma alguma! Então não entendi! Você atacou o problema de forma parcial. Partiremos no trem da compreensão própria e alcançaremos o trem da compreensão do mundo, porém, há muitas estações intermediárias! E vem de novo o bendito trem! Algumas estações apresentam nomes conhecidos: a estação Leitura é a primeira, sem a qual não haveria viagem alguma, não existiria o delicioso caleidoscópio dinâmico dos personagens. Ouvi dizer que está em obras aceleradas uma estação que virá antes, a da Experiência. De fato! Cabe aos operários das linhas lançarem-se à Experiência antes que a estação Leitura fique desamparada e sem conexões. E quais estações vêm depois? Ora, as estações que esse trem humano deve percorrer são: a Dúvida, na esquina de um destino. Estação Cólera, erigida contra o maléfico muro da crueldade. Nessa eu já estive, belo sol matinal num céu de terra roxa! Agora é a vez da inexorável estação Música. Se não fosse ela, como haveríamos de cantar? Nas curvas do Tempo, a estação Escrita. Memória discreta de um átomo de saudade. E, tomando todo o cuidado para que o trem não descarrilhe, enfim chega-se à estação final. O Amor. Finalidade e início de todo o movimento, luz escura de tudo o que se vê. Ouvi dizer que esse trem vai passar aqui no Tijuco! Acha? Bairro, lugar, espaço, esquinas, futebol, pipa, infância. O Tijuco, onde queimamos nossos rostos ao Sol de tanto olhar para cima? Esse Tijuco bem Preto aqui, uma costa ao sol, cavaleiro iogue quixotesco, ávido para ser alicerce de todas as moradas da Beleza, levando no peito a senha criptografada da Grande Literatura que não é bairrista. Óia só o Tijuco Preto! Cansado de ser bairro partiu para alçar voo sobre continentes e eras. Vai Tijucão Véio! Tchau esconde-esconde, brigas de rua, formação de quadrilhas juninas e lupinas. Sem o Tijuco, o que nos resta? Um beijo manhoso em sua testa!

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