Excerto escolhido da obra de Merleau-Ponty: Excerto III
Procuraremos circunscrever primeiramente os pressupostos do conceito de “Ser” que se fala em nós do excerto de “O Visível e o Invisível” escolhido. Em alguma medida podemos ler “Ser falando em nós”, como “Natureza falando em nós”, porém esta natureza aos olhos de Merleau-Ponty é essencialmente diferente da natureza descrita pela metafísica cartesiana. Em contraposição à natureza cartesiana vista como objeto determinado, Merleau-Ponty vê na natureza um núcleo autoprodutivo. Veremos que esta noção de autoprodutividade será de extrema importância para o conceito de Ser Bruto de “O Visível e o Invisível”. Na época de “O Visível e o Invisível, Merleau-Ponty já havia se desvencilhado dos dualismos da filosofia da consciência cartesiana-sartreana. Mas em que medida o “O Visível e o Invisível” foge do a priori da consciência de um objeto e o objetio para uma consciência?
O conceito de carne é a nova categoria criada por Merleau-Ponty para escapar das dicotomias tradicionais (sujeito e objeto, Ser e Nada). O Ser Carnal, originariamente, é coisa geral, algo a meio caminho do indivíduo físico e visível e a ideia invisível. Com o Ser Carnal Merleau-Ponty empreende, ao mesmo tempo, um anti-realismo e um anti-idealismo. Daqui podemos vislumbrar a tese fundamental de “O Visível e o Invisível”, ou seja, que alma e corpo para Merleau-Ponty são de um mesmo tecido ontológico que se dá em duas positividades: O Ser Bruto de um lado e o Ser Linguagem de outro. Merleau-Ponty entende esse Ser Bruto como autoprodutividade, possibilidade. Porém, no “O Visível e o Invisível” a linguagem proferida da cultura se dá “sobre” este Ser Bruto. Se o Ser Bruto contém tudo aquilo que será dito (por ser autoprodutividade) não haverá sequer um sentido cultural que não se origine no Ser Bruto.
O Ser Bruto, então, é primeiro, ele forma todas as estruturas e possibilidade que poderão ser captadas pelo homem, em um processo de criação. Se isso ocorrer, ou, em outras palavras, se a linguagem sedimentar o invisível do Ser Bruto, haverá uma passagem do sentido latente ao sentido manifesto. O que é, então, a vida humana? De um lado, contato ininterrupto com o Ser Bruto, com a facticidade, de outro, criação de linguagem, intelectualidade. Esses lados são indivisos por fundação, originariamente.
Cada algo individual, cada sujeito único e temporal, funciona como fala autêntica, pois ele é resultado do dar-se do Ser. Se o invisível do Ser Bruto se dá no visível, este, mesmo sendo pura criação, se adequa ao escopo das possibilidades emanadas do Ser Bruto.
E a filosofia? O que é a filosofia? A filosofia versa criativamente sobre o elo que torna possível a passagem do Visível ao Invisível, do Ser Bruto ao Ser Linguagem.
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